16 February 2007

DO SAL, DOS GLACIARES E DOS METEOROS



Carbon Glacier, Year Of Meteors, Saltbreaker. A tentação preguiçosa é pegar nos títulos dos dois últimos álbuns de Laura Veirs e do próximo (anunciado para Março), espreitar-lhe a biografia peculiar e engendrar uma nova categoria abstrusa: "songwriting geológico". Mas, se existe, de facto, muita alusão a matérias densas na escrita de Veirs, seria excessivamente curto pararmos por aí e não repararmos como, perante nós, se encontra uma das mais notáveis autoras de canções norte-americanas revelada nos últimos anos.

Não se pode verdadeiramente dizer que tenha sido uma "songwriter" precoce...
Foi por volta dos 21 anos que comecei a prestar mais atenção à música e descobri os movimentos punk e folk do "undergound" americano, em particular, no noroeste. Aprendi a tocar guitarra e interessei-me pela música folk e pela sua história. Comecei a tocar mais a sério aos 26, quando me dediquei ao estudo da guitarra na tradição folk e escutei imensos discos. Fazia-o enquanto amadora mas, ao mesmo tempo, praticava diariamente. Levava a escrita de canções muito a sério mas não me parece que pudesse ser considerada uma "songwriter" intelectual.



Que músicos lhe despertavam mais a atenção nessa altura?
De Johnny Cash, June Carter e a Carter Family ao punk-rock, interessavam-me todos os tipos de folk.

Inclui também o punk na folk?
Sim, sim. São o mesmo, música do povo ["people's music"]. Nunca tracei aí nenhuma linha divisória.



Mas, no início, não parecia destinada à música. Fez uma licenciatura em geologia e foi numa visita de estudo à China que tudo começou...
É verdade. Na faculdade completei uma licenciatura em geologia e outra em línguas chinesas. Decidi combiná-las num projecto final de curso, estudando geologia na China (já lá tinha vivido — e na Malásia — durante um ano, antes de entrar para a universidade), no deserto, junto à fronteira com o Paquistão. Mas, como me aborrecia de morte no acampamento, peguei numa guitarra e comecei a escrever canções.



A cultura oriental atraía-a?
Muito. Nunca estudei nada relativo à música mas estudei o budismo, o taoísmo, a filosofia chinesa. Vários primos meus praticam o budismo desde há muito. O que não significa que eu seja budista, não me vejo como uma pessoa religiosa, talvez mais como alguém que entende a música como uma prática espiritual. Mas identifico-me com alguns conceitos budistas como o desprendimento, a ideia de viver no presente e de contribuir para o alívio do sofrimento dos outros. De qualquer modo, em 1997, quando acabei a universidade, apercebi-me de que me apetecia fazer alguma coisa mais criativa. Mudei-me do Colorado para Seattle e passei a encarar a música muito mais a sério. Mas, como fazer disso uma carreira não é fácil, não tinha ambições de me dedicar a tempo inteiro. O que, nos cinco ou seis anos seguintes, foi exactamente o que acabou por acontecer.



Apesar de as suas raízes musicais se encontrarem na folk e no punk, tem trabalhado com músicos de áreas muito diferentes como Bill Frisell ou Eyvind Kang...
É assim que gosto de trabalhar. Esses dois que refere foram-me apresentados pelo Tucker Martine, o meu produtor. Têm um entendimento bastante profundo de inúmeras tradições musicais o que lhes permite integrar-se perfeitamente nas minhas canções que recorrem a estilos muito diversos. Também irão estar presentes no meu novo álbum — Saltbreaker — que deverá ser publicado em Março.



Seja como for, nos seus últimos discos, as origens folk são pouco mais do que memória...
Em relação à country, sim, a folk não me parece tanto. Continuo a sentir-me bastante alinhada com a tradição folk, especialmente no que diz respeito à execução da guitarra. Mas é verdade que, neste novo álbum, há muito mais canções pop do que nos anteriores.

Nos textos de algumas canções, percebe-se o verdadeiro prazer que sente em jogar com a sonoridade das palavras, como, por exemplo "slain by your zyrconium smile, I was slain by your olivine eyes, slain I was lying in piles"...
Gosto que, numa frase, tanto o valor fonético como o sentido, possam ser interessantes. Por exemplo, esse jogo com as sibilantes e as vogais abertas e claras, é o tipo de escrita que me atrai.



Já confessou que a leitura de autores como Basho, Virginia Woolf, Whitman ou até José Saramago pode funcionar como detonador do seu "songwriting". Continua a ser assim?
Sem dúvida. Recorro imenso a ideias que encontro em autores como os que citou. Por vezes, pego numa frase e escrevo uma canção em torno dela. No novo álbum, escrevi uma canção inteira inspirada num livro de Saramago, Ensaio Sobre A Cegueira, que achei espantoso. Retirei uma passagem do final, articulei-a com o meu próprio texto e construí, assim, a canção. Utilizar tantas frases de um texto alheio não é coisa que faça frequentemente, na verdade, nunca o tinha feito antes! Foi um amigo que é um devorador de livros que mo ofereceu. Gosto de ler mas não sou exactamente uma literata como ele que é capaz de ler três livros por semana.



Numa das suas canções, há uma interrogação que poderia muito bem resumir a sua escrita: "love of colours, sound and words, is it a blessing or a curse?". Já sabe a resposta?
Acho que é uma benção ["a blessing"]. Acho mesmo que sim. É certo que, por essas mesmas razões, muitos artistas sofreram terrivelmente. Contudo, não me parece que seja obrigatório. Mas claro que posso vir a mudar de ideias. (2006)

2 comments:

Anonymous said...

não sabia que tinhas um blogue. vim aqui parar por acaso. um prazer tardio, e eu sem cigarros.
cris leonardo

João Lisboa said...

olá leopardo!