28 May 2007

DEPARTAMENTO "PEQUENOS ÓDIOS DE ESTIMAÇÃO" (II)



Belle And Sebastian - Push Barman To Open Old Wounds

Vão-me desculpar mas não vejo melhor forma de dizer isto: há-de ser necessário ter uma vida muito próxima do estado vegetatativo — trabalhar como fiel-de-armazém em Trondheim, ser especialista em nutrição de hamsters siberianos, estar a preparar um mestrado acerca dos rituais de acasalamento das trilobites no Paleozóico — para achar que as canções dos Belle And Sebastian podem ser vagamente interessantes, imaginar que elas foram a maior oferenda dos céus àquela tribo de jovens intelectuais linfáticos que deprimem profundamente perante a devastadora visão do pacote de cornflakes vazio ou até — coloquemos as coisas mais claramente — supôr que se trata daquilo a que nos habituámos a chamar pop. Não, a música dos Belle And Sebastian é apenas o equivalente musical da "literatura" embaraçosa que habitualmente se aloja nas páginas dos diários privados e que, nos casos mais benignos, é rapidamente incinerada em auto-de-fé assim que o Clearasil começa a surtir efeito.



E, num casamento particularmente feliz de forma e conteúdo, vertida para o interior de uma morna canjinha sonora que, aparentemente, consola os corações sensíveis e apazigua os dói-dóis sentimentais. Push Barman To Open Old Wounds — a reunião em duplo CD de todos os EP da banda publicados entre 1997 e 2001 — é, assim, uma educativa excursão por esse delicado mundo de rendinhas emocionais e naperons de afectos não-me-toques que, num momento de comovente candura e sinceridade, em "This Is Just A Modern Rock Song", eles próprios fazem a fineza de explicar. Em três passos: 1º - "I'm not as sad as Dostoievsky, I'm not as clever as Mark Twain, I'll only buy a book for the way it looks, and then I stick it on the shelf again"; 2º - "This is just a modern rock song, this is just a sorry lament, we're four boys in corduroys, we're not terrific but we're competent"; 3º - "This is just a modern rock song, this is just a tender affair, I count 'three, four' and then we start to slow, because a song has got to stop somewhere". Dois CD demoram um tempo dos diabos até parar algures. (2005)

3 comments:

Anonymous said...

não me importava que te especializasses nas crónicas de escárnio e mal dizer sobre os belle & sebastian. tenho é que aprender: "não ler enquanto trabalho, não ler enquanto trabalho", porque a gargalhada sonora pós "Push Barman To Open Old Wounds consola os corações sensíveis e apazigua os dói-dóis sentimentais" faz levantar alguns sobrolhos inquisitivos.

Anonymous said...

Por que será que a veia literária é sempre mais inspirada quando puxa ao sarcasmo e à ironia? A natureza humana tem destas coisas... A verdade é que as tuas críticas mais memoráveis sempre foram as mais arrasadoras. Acho que isto acontece com todos mas admito que tu tens um talento especial.
Posto isto, concordo com quase tudo e FARTEI-ME DE RIR. Só faltou implicar com o inefável nome da banda. Eu não os acho assim tão maus e o adjectivo que me ocorre para caracterizar a música dos B&S é "agradável" com tudo o que de bom e mau esta palavra pode carregar.
Venham mais ódios de estimação! pequenos ou grandes.

Cheers
João Nunes

Anonymous said...
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