30 June 2007

DECANTAÇÃO



June Tabor - An Echo Of Hooves




Joan Baez - Dark Chords On A Big Guitar

Evitarei cuidadosamente a metáfora do vinho do Porto. Mas arranjarei, por certo, uma outra forma de dizer que, de modo diferente e por razões várias, muito bem assentam os anos em June Tabor e Joan Baez. Em relação à primeira, dir-se-ia que se trata apenas de um naturalíssimo processo de apuramento e refinamento contínuo no qual cada sucessivo disco testemunha mais um passo na decantação cada vez mais subtil de todas as ínfimas tonalidades da voz que se dirigem sempre de fora para dentro, da interpretação para a transfiguração, dos agudos para os graves de veludo negro e profundo. Com June Tabor — por ela, inteiramente para além de tão baixos parâmetros, não se definem regras — importa muito menos o material do que a voz e a quintessência da música que ela transporta e sobre a qual a voz se exerce. Sejam Costello, Richard Thompson ou quem quer que ela tenha atraído para a sua teia, palavras e melodias serão sempre outras, uma vez filtradas através do grão daquele timbre. E, se começou com a herança da tradição britãnica, a ela regressa agora com este eco de galopes em onze estações, na companhia de Huw Warren, Mark Emerson, Tim Harries, Martin Simpson e Kathryn Tickell. E é em "Rare Willie", três passos antes do fim, "a capella" radical, que ressoa o eco da memória, do vento, da chuva e da neblina da ilha que, por todo o resto do disco alastra como um véu que repele a obscena luz do sol.
A boa notícia é que isto se aplique também a Joan Baez. Já sem os agudos e vibratos estridentes com que, nos seus "young years", imaginava atribuir uma nova alma à tradição, à "protest song", a um Bob Dylan quase "belcantado" e a todas as causas "politically correct", Baez canta agora com a voz que lhe resta. E como o uso que faz da voz que lhe resta é tão infinitamente melhor! Velada e obscurecida, com um discreto acompanhamento instrumental de veia alt.country, opta por um reportório de "dark chords" oferecido por Steve Earle, Joe Henry, Gillian Welsh ou Ryan Adams e, mesmo para quem, como eu, nunca se inscreveu na seu clube de fãs, é uma agradável surpresa. (2003)

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