28 July 2007

O BORDEL CIGANO



Quando esta entrevista teve lugar, os Gogol Bordello eram ainda só uma banda de culto responsável pela invenção de um género – o gypsy-punk, algo como um filho bastardo alucinadamente delirante dos Pogues com Kusturica – que, desde há vários anos, ateava meia dúzia de incêndios no Lower East Side de Nova Iorque. Acontece que, cerca de quinze dias depois, a 7 de Julho, no palco londrino do Live Earth, Madonna faria questão de apresentar como seus convidados especiais – numa versão dificilmente descritível de “La Isla Bonita” – “my Romani gipsy friends from Gogol Bordello, Eugene and Serge”. É bem provável que, a partir daí, a cotação da banda composta, entre vários outros, por um ucraniano, dois russos, um israelita e um californiano tenha subitamente disparado e que, no festival de Sines, possamos ser testemunhas de um dos seus primeiros passos na qualidade de estrelas planetárias. Mas Eugene Hütz – o porta-voz e vocalista ucraniano – prefere falar de política pura e dura.



Quando partiu de Kiev para Nova Iorque, já tinha experiência de tocar em bandas locais?
Na verdade, quando, em 1989, saí da Ucrânia, a banda de que fazia parte estava nas tabelas de vendas locais. Nem sei muito bem como fomos lá parar. Tocávamos uma música tipo “no-wave”, uma mistura de Brian Eno com Teenage Jesus & The Jerks.



Mas esse género de música era facilmente acessível na Ucrânia?
Claro que sim. No mercado negro, conseguia ter-se acesso a tudo. Nunca passava na rádio ou na televisão mas nós tínhamos os nossos contactos... (risos) Uma outra enorme influência foi um concerto que os Sonic Youth deram, em Kiev, em 1989. Foram eles que realmente me inspiraram a mudar-me para Nova Iorque. Depois do concerto, conversei durante uns minutos com eles nos bastidores, contaram-me que eram de Nova Iorque e eu percebi imediatamente que era para lá que tinha de ir. Os responsáveis por isso foram eles.

O chamado gypsy-punk em que se incluem decorre essencialmente de uma consciência muito séria da sua ascendência cigana ou foi também determinado por outros factores?
De ambas as coisas. É um híbrido que surgiu em consequência da minha própria experiência e de coisas que fui lendo e conhecendo. As três componentes essenciais – música cigana, punk e reggae – são bastante óbvias e são aquilo que, na verdade, partilhamos. Mas, para além dessas, há elementos da banda que têm outros interesses como a música sinfónica ou a do Astor Piazzola (é o caso do Yuri, o acordeonista), eu gosto de música electrónica... Por outro lado, o facto de uma parte da minha família ser de origem cigana tornou-se uma fonte de inspiração e conduziu-me a um certo ponto de vista filosófico acerca das coisas: que interessa ter nascido e sido criado na Ucrânia? Os Romani são uma cultura tão eternamente marginal que isso nos obriga a reflectir bastante sobre um grande conjunto de questões.



Mas esse ponto de vista filosófico diferente incidiu sobretudo em quê?
Especificamente – ainda que não faça ideia de como essa ideia surgiu –, sempre senti que, embora tivesse nascido na Ucrânia, na verdade, eu não pertencia aquele país. Quando atingi a maioridade (aquele momento em que, supostamente, nos tornamos cidadãos portadores de documentos de identificação civis e militares que nos atribuem uma responsabilidade), fiz a experiência do que era ser ucraniano. Quando vim para os EUA, essa experiência repetiu-se, agora com toda a papelada e burocracia estatal norte-americanas. Mas de uma coisa adquiri a certeza: no caso de uma qualquer guerra, nunca me irão encontrar de nenhum dos lados, nunca combaterei por país nenhum. Nunca irei disparar contra alguém que vista uma farda diferente.



Existe realmente uma comunidade cigana importante na Ucrânia? A verdade é que quando lá estive, no ano passado – claro que posso não ter prestado atenção –, pareceu-me haver muito mais em Portugal do que lá...
Sim, sempre existiu. Mas a maioria vive nos Cárpatos embora também existam muitos à volta do Mar Negro. Continuam a viver em comunidades, em pequenas aldeias, e é preciso dizer-se que são objecto de uma segregação que é bastante imposta. Aqueles que conseguem atingir um nível de vida mais desafogado tendem a deixar-se assimilar, a dissimular a sua origem e a não se fazer muito notados. Há, pelo menos, meio milhão de ciganos na Ucrânia. No final dos anos 90, diversas organizações animaram um movimento bastante vigoroso de defesa dos direitos cívicos da comunidade cigana, contra a brutalidade policial e em diversos outros campos. Neste aspecto, a Ucrânia está à frente da maioria dos outros países europeus de Leste.

Em Nova Iorque, relaciona-se também com outros músicos e bandas, fora do circuito gypsy-punk?
Antes de mais, criámos a nossa própria cena. Quando chegámos, as primeiras pessoas com que nos relacionámos eram gente do “underground” – como o Kid Congo Powers – ou que tinha tocado com os Cramps, os Bad Seeds, essa escola de bandas. Foi espantoso ter-me dado conta de como, no fundo, eu era um fruto daquela árvore. Embora tivesse crescido a uma enorme distância geográfica, mal começámos a tocar, todos eles foram aparecendo nos nossos concertos e o Jim Sclavunos (dos Bad Seeds) produziu mesmo o nosso primeiro disco. No espaço de um ano, estávamos já a tocar para salas de mil pessoas. Gradualmente, fomos atraíndo bastante gente que (também através das minhas sessões de DJing) ia descobrindo a música cigana e da Europa de Leste e, como todas as cenas precisam do seu CBGB’s, passámos a reunir-nos no “Bulgarian Bar”. Sempre que a Fanfare Ciocarlia ou o Taraf de Haïdouks vinham a Nova Iorque, era ali que, de um modo mais ou menos espontâneo, acabavam por ir parar e tocar. Depois disso, como todos os espectáculos no “Bulgarian Bar” davam sempre origem a festas explosivas, até outras bandas que não têm nada a ver com a nossa estética ou com a nossa cena – como os Interpol ou os Yeah Yeah Yeahs – começaram a aparecer por lá.



Depois disso, já voltou a tocar na Ucrânia ou noutros países de Leste?
Demos o nosso primeiro concerto, em Moscovo, há três meses. A reacção reflectiu um bocado a insegurança que ali se sente em relação aos próprios gostos: estão à espera que sejamos levados em ombros no Ocidente para, só então, nos aceitarem. Vivem paralisados por uma atitude seguidista em relação ao Ocidente. Do que realmente gostam é de dançar de calções à volta da piscina, como viram nos videoclips imbecis do Snoop Doggy Dog, é a ideia que agora fazem do que é ser feliz e “ter classe”. De um modo geral, até correu bem mas foi evidente que os russos irão ser sempre os últimos a reconhecer aquilo que é, basicamente, russo. (2007)

3 comments:

Ana Cristina Leonardo said...

o que raio têm eles a ver com o Al Gore?

João Lisboa said...

Contextualiza, Leopardo: Live Earth, ambiente, coiso...

Ana Cristina Leonardo said...

ah, ok, coiso, pois sim, coiso... enfim, a esta hora não dá. mesmo.