26 July 2007

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (VIII)



"Kathleen, a minha mulher, é de ascendência católica-irlandesa. Estava destinada a ser freira. Pode dizer-se que a salvei do Senhor.

(...)

"Não sou um artista comercial, não passo muito na rádio. É mais fácil darem comigo numa revista do que ouvirem-me na rádio. É estranho. É um bocado como ler um artigo sobre pássaros numa revista de electrónica.

(...)

"Se pensam que somos muito bons, não somos nós em quem estão a pensar. E, se nos desancarem, também não somos nós. Por isso, o melhor é protegermo-nos. Pôr um bigode postiço, óculos escuros e uma gravata às riscas. Rapar o cabelo, mudar de nome — e deixar o resto de nós para a família e os amigos.

(...)

"A clonagem é muito frequente no reino vegetal. Sabiam que, quando cai uma folha de uma violeta africana, a partir dela crescem raízes e se desenvolve uma nova planta? Mas isso só acontece com a planta fêmea. Por isso, se uma rapariga se esquecer da camisola em vossa casa, é melhor terem cuidadinho..."

1988


"O que o show business tem de mais lindo é que é a única actividade em que se pode ter uma carreira depois de morrer.

1989



"O cinema é uma coisa que se instala de tal modo na nossa vida e empurra para fora todo o resto que é realmente melhor aprendermos a gostar dele, apaixonarmo-nos verdadeiramente, senão não há maneira de nos convencermos a acordar às cinco da manhã, passarmos horas dentro de uma carrinha gelada e aceitarmos de bom grado que nos digam 'vá lá, agora desenrasca-te com o teu papel'. É preciso muita força de vontade, tomarmos uma decisão muito séria acerca disso, porque a maior parte do tempo não é muito diferente do que aconteceria se tivessemos sido incorporados no exército.

(...)

"Talvez em determinada altura, quando no princípio comecei a escrever, a cantar e a viajar (era ainda muito novo), tenha tido necessidade de desenvolver uma personalidade própria, de me inventar a mim mesmo. Agora já é um pouco como se se tratasse de um poço a que vou buscar água. Por vezes está cheio, outras vezes seca e é preciso ir buscar a água a sítios muito diferentes daqueles que poderia imaginar.

(...)

"No fundo, acho que o que tenho procurado fazer é proporcionar-me uma espécie de educação semântica. Tem sido tudo uma aventura para mim. Como não me concentrei demasiado na escola, tenho andado aos tombos, à procura do caminho. Nunca encarei as coisas como se estivesse a participar numa expedição científica ou num projecto de investigação médica com um objectivo preciso. As coisas que faço têm obedecido a uma mesma lei mas só involuntariamente. A verdade é que penso que a maioria das artes aspira à condição da música. A pintura, a escultura, o cinema, têm algo muito musical. Sempre encarei a música como uma espécie de animal selvagem. Quando a passamos ao papel, é como se estivéssemos a colocar as grades de uma jaula atrás da qual prendemos o animal. E ele o que quer é sair dali. Por vezes, quando a escrevemos, a música não se sente feliz por ser escrita. Dizemos que gostamos de música mas o que queremos é que a música goste de nós, que ela continue a soprar-nos no rosto.

(...)



"Quando estou a escrever, a minha vida é como um aquário. Há coisas que flutuam e outras que não o conseguem, umas respiram e outras afogam-se. É nessa altura que eu sinto que estou a compôr, quando a sala fica cheia de água. Há canções a que é preciso dar uns bons abanões, trazer de rastos para casa, esfolar, cozinhar e comer. Têm todas uma esperança de vida limitada.

(...)

"Aquilo que me faz ficar acordado durante a noite são coisas do meu próprio mundo em que ninguém me pode ajudar. Andamos todos à deriva sobre esta bola de golfe de Deus, passamos por aqui num instante e a verdade é que, em comparação com o tempo que vamos estar mortos, só cá ficamos um minuto. Por isso, é preciso saber de que lado estamos, se vamos pensar nas outras pessoas e fazer algo por elas, se nos vamos juntar ao Exército de Salvação ou qualquer coisa desse género. Mas, por fim, quando partimos, quem sabe? A maioria das pessoas vive e acaba como flores selvagens num prado ou como uma árvore à beira do caminho. Andamos todos à procura de respostas. Portanto, eu preferia dar a minha quando tiver chegado ao fim da estrada".

1990

(2007)

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