20 October 2007

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, 
DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XVIII)

"Descobrir o jazz e Jack Kerouac por volta de 68 foi como quando se compra um disco que se leva debaixo do braço de modo a que toda a gente o possa ver. É uma questão de identidade. Senti que tinha descoberto uma coisa tão importante que, se pudesse, levava-a à cabeça.

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"San Diego era uma cidade de marinheiros. Toda a gente que eu conhecia era de famílias da marinha. O meu pai tinha-se ido embora de vez e os pais dos outros tinham partido para as Filipinas durante oito meses. Ninguém tinha os pais à mão. Vivíamos ao lado de uma família em que a mulher se chamava Buzz Fledderjohn. Media, para aí, um metro e noventa e não tinha unhas. O marido era um tipo importante na marinha e foi para Guam durante ano e meio. Criou quatro filhos. O quintal dela era um sítio esquisito com carpas no tanque. O mais importante é que nunca me deixou lá entrar. Na verdade, escrevemos uma canção sobre ela mas acabou por não aparecer neste disco. A partir de uma certa idade, o que San Diego tinha de bom era haver muitas lojas de tatuagens. Tenho o mapa da Ilha de Páscoa nas costas. E o menu completo da Napoleone's Pizza House na barriga. Quando lá trabalhava, a partir de certa altura, desistiram de imprimir os menus. Eu ia até às mesas e levantava a camisa.

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"As primeiras canções que interpretei em público? Meu Deus, nem pense que lhe vou dizer a verdade. Durante os primeiros anos, era um programa só de Schoenberg. Não, a sério, tocava 'Hit The Road Jack', 'Are You Lonesome Tonight', coisas muito banais. Tinha de entrar o mais cedo possível no show business. Devia ter mudado de nome mas, por essa altura, já era tarde demais.

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"A personagem-Tom Waits? Rouba-se um bocadinho daqui, outro dali. Umas coisas velhas, outras novas, um farrapo de pano azul, o chapéu do pai, a roupa interior da mãe, a moto do irmão, os tacos de bilhar da mana e aí vamos nós. Quer dizer, sou o Frank Sinatra ou o Jimi Hendrix? Ou o Jimi Sinatra? Claro que sou ventríloquo como todos os outros. Ninguém se rala se estamos a dizer ou não a verdade. No nosso ramo de actividade, não me parece que isso seja muito importante. As pessoas só querem que lhes contem alguma coisa que não saibam já. Façam-nas rir ou chorar, não interessa. Se estamos a ver um filme muito mau e alguém nos diz 'Sabias que é baseado numa história verdadeira?' será que o filme deixa de ser mau? Sei lá o que é a verdade... Quantos alemães são precisos para mudar uma lâmpada? Quantos espermatozóides há numa única ejaculação? Quatrocentos milhões. E custa muito a acreditar que nós todos somos os que ganharam a corrida, não custa?

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1999

(2007)

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