07 January 2008

PLATITUDES:
(comentário ao post anterior promovido ao estatuto de post-convidado, estreia que poderá muito bem inaugurar um hábito com alguma pinta)


Pedro Cabrita Reis - "The passage of the hours"

Toda a linguagem tem uma gramática.
Toda a gramática é convenção, é como é porque a história a fez assim, como podia tê-la feito de outro modo: por que raio “chove ele”, em francês?
Toda a gramática tem secções mais estáveis temporalmente, como a sintaxe, e secções mais atreitas a captar o ar do tempo, como a estilística. Chamemos paradigma à
convenção concreta que vigora num tempo histórico particular.
Em cada época, os que criam fazem-no nos limites de um paradigma que dá testemunho do seu tempo e, em todo o tempo, a esmagadora maioria do que se faz é mera aplicação, mais ou menos virtuosa, desse paradigma.
Contudo, toda a arte que, a posteriori, se constatou ter sido realmente relevante, foi investigação sobre os meios expressivos da sua linguagem, cujo resultado se traduziu numa alteração do paradigma vigente (no mínimo) dando assim testemunho de um novo tempo.

Isto porque os tempos mudam e os paradigmas entram em crise (nota-se quando se percebe que o que se faz dá testemunho de um tempo que é já passado, por muito que o que se vai fazendo mantenha os favores do público, o qual para esta história é irrelevante, como sempre), pelo que alguns,(normalmente poucos), se vêem compelidos a “esticar” os limites do paradigma, (muitas vezes sem que ninguém repare). Se esses poucos tiverem muitos discípulos, quando se dá por isso o paradigma “rompeu” e instaurou-se um novo. Quase sempre, a alteração é apenas estílistica (o que já é muito) mas em certas épocas (raras) as mudanças chegam a alterar os alicerces sintácticos.

É pertinente um paralelo com a “ciência normal “ versus “as “revoluções científicas” do Kuhn.
No meu ramo é habitual chamar “academismo” a essa persistência de um paradigma anterior, num tempo que não é já o seu. Academismo porque as escolas só podem, obviamente, ensinar o passado, nunca o futuro, ou sequer o presente que normalmente está a ser feito à margem das ditas.

Cá está a resposta com muitas linhas que não te dei quando me perguntaste como distinguir a verdadeira inovação, da mera fraude: uma cena é relevante quando comporta verdadeira investigação de novas possibilidades expressivas da linguagem e o resultado é susceptível de dar testemunho do tempo que passa (nem que seja o testemunho da sua fealdade). Se não, é circo, fantochada, detectável a olho/ouvido nu, desde que o dito esteja treinado. O resto é “arte normal” necessária para alimentar o público e providenciar o almoço de quem a faz.

Vê a esta luz toda a fase do Pedro Cabrita Reis em que o programa consiste numa apropriação pela escultura dos meios materiais e da “iconografia” da construção civil, dando testemunho de quanto esse tipo de imagens nos rodeia sufocantemente. Reunidas as duas condicões supra, não é fraude. O público que se foda que, coitado, está agora a começar (o mais instruído) a conseguir apreciar o que se fez há exactamente 100 anos. Pronto.

P.S. Esta porra não é uma ciência exacta. Podia argumentar-se que essa fase da obra de Pedro Cabrita Reis é, ainda, academismo do século XX, directamente filiada na "regra sintática" da descontextualização, instaurada pelo Dadaísmo. Vista assim, seria contemporânea mais pelo lado temático - a letra - do que pelo (sempre mais importante) lado plástico" - a música. (VG)
(2008)

4 comments:

gorgulho said...

Mãezinhaaaaa! ó pra mim na blogosfera!

João Lisboa said...

LOOOOL!

ND said...

até embeveci, cum raio!

João Lisboa said...

(RE)LOOOOL!