04 April 2008

PELO ESPELHO RETROVISOR



R.E.M - Accelerate

Primeiro, os dados objectivos: após os sucessivos falhanços (estéticos e comerciais) de Up (1998), Reveal (2001) e Around The Sun (2004) que, à excepção de lapsos fortuitos como Green (1988) e Monster (1994), constituíram a verdadeira “idade das trevas” do percurso dos R.E.M enquanto quase única banda sobrevivente do “renascimento” do rock norte-americano do início da década de 80, Michael Stipe, Peter Buck e Mike Mills anunciaram repetidamente – e, agora, confirmam-no – que, no álbum seguinte, teriam de mudar de métodos, “voltar a pegar nos estilhaços do puzzle-R.E.M.” e reconfigurá-lo de novo. Ensaiaram, então, uma variante do modus operandi científico de formulação de uma hipótese de reportório, logo a seguir submetida a teste. O teste do público: durante cinco dias, de final de Junho a início de Julho do ano passado, no pequeno Olympia Theatre, de Dublin, montaram um “live rehearsal” onde, em conjunto com temas antigos da banda, revelaram a totalidade do que viria a ser Accelerate. Resultado: um álbum reduzido aos mínimos obrigatórios para ser considerado como tal, com uma duração total de 34 minutos, no qual metade das 11 faixas mal chegam aos 3 minutos e duas nem os 2 atingem. Isto é (tal como acontece também com a gravação de estreia dos Vampire Weekend), a recuperação do antigo formato do LP de vinil clássico. Ou, respondendo ao espírito do tempo que, crescentemente, encara o suporte CD como algo de obsoleto, a proposta da fórmula “short, sweet and to the point” enquanto tábua de salvação mais apropriada para um universo pop em que “accelerate” se transformou, de facto, na “password” obrigatória. Mesmo que Accelerate – o álbum – seja ainda comercializado em rodelas de plástico de que apenas aproveita metade da capacidade de armazenamento de informação e não tenha arriscado o salto definitivo para o ficheiro virtual de mp3...



Valeu a pena? Ao contrário do côro pavloviano de hossanas que imediatamente reagiu aos estímulos pré-programados, proclamando a tão ansiada ressurreição dos R.E.M., Accelerate ainda não é Stipe/Buck/Mills “vintage”. Na verdade, em boa medida, constitui apenas um gesto de espreitar pelo espelho retrovisor próprio e alheio: a sonoridade suja, rude e agreste dominante tanto puxa a memória para os anos “grunge” como para os episódios Green e Monster (e isso não é bom) e, de um modo geral, diversas canções dir-se-iam versões alternativas de outras anteriores. Queiram, então estabelecer a genealogia entre “Until The Day Is Done” e “Final Straw” ou “Swan H”, entre “Mr. Richards” e “What’s The Frequency Kenneth?”, entre “Horse To Water” e “Little América” ou, sob iniciativa explicitamente auto-referencial do próprio Stipe, em “Sing For The Submarine,” que, deliberadamente, cita “Feeling Gravity’s Pull”, “Electron Blue” e “It’s The End Of The World As We Know It”. Inclui, sem dúvida, belos nacos de R.E.M. da melhor colheita (o trio de abertura “Living Well Is The Best Revenge”, “Man Sized Wreath” e “Supernatural Superserious” há-de ir parar, de certeza, a futuros “best-of”), os textos de Michael Stipe continuam a oferecer belos aforismos como “Believe in me, believe in nothing, corner me and make me something” (de “Hollow Man”), mas, ainda que invertendo o plano inclinado anterior, falta-lhe subir meia dúzia de degraus para chegar, pelo menos, ao nível de New Adventures In Hi-Fi. (2008)

3 comments:

Anonymous said...

«Primeiro, os dados objectivos: após os sucessivos falhanços (estéticos e comerciais) de Up (1998), Reveal (2001) e Around The Sun (2004) que, à excepção de lapsos fortuitos como Green (1988) e Monster (1994), constituíram a verdadeira “idade das trevas” do percurso dos R.E.M»

O «Up» merece-me alguma simpatia, pelos riscos que a banda correu ao gravar pela primeira vez como trio. Ousar é sempre um momento de coragem que não me deixa indiferente. Os outros, sim, são fraquinhos (por comparação com o resto da obra), mas incluem, sempre, duas ou três canções que muitos e bons músicos gostariam imenso de ter escrito. Se calhar estou a ser demasiado condescendente, mas sou incapaz de tornar as coisas piores quando se trata de uma banda que admiro tanto...

Nuno Gonçalves said...

Ao contrário dos outros dois, não acho o "Reveal" de modo algum uma obra menor. Tem muitos momentos altos e sobretudo não tem nenhum baixo, mesmo para os parâmetros elevados da banda. E não posso deixar de destacar o "Summer Turns to High", que o Brian Wilson certamente assinaria. nuno

Nunes said...

Vou mais longe na minha discordância com o coro de críticas ao novo disco. Nem este álbum é a verdadeira ressurreição dos REM nem os três anteriores serão exactamente a idade das trevas. O "Up" é um excelente disco, incompreendido para a maioria, uma espécie de "Fables" dos anos-Warner. O "Reveal" é mais fraco mas ainda assim tem boas canções e é digno da discografia dos REM. O "Around the Sun" este sim é o mau disco que nunca se esperaria que os REM fizessem.
Mas o curioso é que tendo a crítica na altura dito bem do "Up" e do "Reveal", agora cante em uníssono que os REM nunca mais fizeram um bom disco depois da saída do Bill Berry...
Quanto ao novo disco: é bom, dá para redimir do último mas não para recuperar a mística dos REM. Porque onde eles dantes desbravavam novos territórios a cada novo disco, neste limitam-se a rever matéria dada. E, de facto, cada sequência de acordes e melodia da voz remete para álbuns anteriores. Tivesse saído a seguir a "New Adventures in Hi-Fi" e seria um impasse. Mas no fim da pior década dos REM soa, de facto, revigorante.