30 July 2008

FANTASMAS E DEMÓNIOS

(departamento THE BROTHERHOOD OF THE UNKNOWN (VI) *, no caso especial dos Halloween, Alaska - * segundo David Thomas: "The first Pere Ubu record was meant to be something that would gain us entry into the Brotherhood of the Unknown that was gathering in used record bins everywhere")



Anja Garbarek - Briefly Shaking




Halloween, Alaska - Halloween, Alaska

Logo no início de 2001, Smiling & Waving, de Anja Garbarek, formulou algo de muito próximo de uma perfeitíssima síntese das diversas vias para a canção-pop "pós-clássica": aluna confessadamente atenta de Rickie Lee Jones, Kate Bush, Billie Holiday, Laurie Anderson e Meredith Monk e rodeada de adeptos da aguarela electro-acústica como Mark Hollis (dos Talk Talk) Steve Jensen e Richard Barbieri (dos Japan) ou Robert Wyatt, o terceiro álbum da filha de Jan Garbarek — após uma estreia apenas distribuída na Noruega e Balloon Mood, de 1996 — parecia ser o lugar de convergência de tudo o que, antes, havia sido esboçado e/ou estabelecido por David Sylvian, Björk, Portishead, Laub, Stina Nordenstam, Leila ou Alpha.



Podemos dizê-lo agora também, um antepassado quase directo da sublime poética electrocardiográfica de Little Things, de Hanne Hukkelberg, publicado no ano passado. Briefly Shaking não altera nada de fundamental no funcionamento do engenho da caixa de música mas, na filigrana sonora em que todas as canções são urdidas, é claramente perceptível que alguns dos fios de oiro e prata utilizados nas anteriores foram, agora, substituídos por arame farpado. Há, em diversos temas (inspirados pelo assombro e os rigores da maternidade), uma aspereza metálica, quase "industrial", as combinações tímbricas puxam, frequentemente, pela acidez dos contrastes (cordas e sopros líricos lado a lado com "wurlitzer", duras programações rítmicas, theremin, "bruitage" electrónica e até um "sample" da banda sonora de The Forbidden Planet, de Bebe e Louis Barron) e, de um modo geral, um espírito de "lullabies" assombradas, surdamente claustrofóbicas ("I breathe in and out while I try to focus, when I feel ok I twist my mouth to save what little air is left").


Halloween, Alaska - versão de "I Can't Live Without My Radio" de LL Cool J.

Há fantasmas e demónios idênticos a pairar sobre o segundo álbum dos Halloween, Alaska. O de Sylvian, certamente, mas, sobretudo, a sombra azul-cobalto dos Blue Nile, a cenografia de veludo-pop dos Prefab Sprout, a imponderável transparência de alguns momentos de Up, de Peter Gabriel. James Diers canta como um Mark Eitzel capturado pelas imagens de um filme de Atom Egoyan, as canções (incluíndo uma versão espectral de "State Trooper", de Springsteen), entre sintetizadores em movimentos de maré, linhas de baixo circulares e um ou outro estilhaço de luz da guitarra, dissolvem-se como neblina, e todo o disco desce como um requiem noturno ("A boy with such sad wings should stay off tall buildings and keep away from high wires, no circus left to join, nobody, just Des Moines") sobre a "skyline" paralisada das cidades.

(2005)

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