26 November 2008

ERA ISTO QUE SE DEVERIA OUVIR
MAIS FREQUENTEMENTE E COM
MELHOR AMPLIFICAÇÃO SONORA:




"1) Haverá teorias boas e más em ciências da educação, como em tudo;

2) Parece-me que os professores do ensino secundário com que contacto conhecem, na sua maior parte, apenas versões degradadas de teorias educativas cientificamente ultrapassadas (assim como versões degradadas das disciplinas que ministram);

3) O discurso, programas e legislação ministerial caracteriza-se pela incompetência, apesar de se disfarçar de discurso científico sobre educação — e é a isso que se chama habitualmente “eduquês”;

4) A mesma incompetência generalizada que encontramos em matemática, física, biologia, filosofia ou português encontramos em ciências da educação e este é que é o nosso problema fundamental: incompetência científica. Não adianta tentar tapar com a peneira de teorias educativas mal compreendidas e pior expressas o Sol glorioso da incompetência em matemática, filosofia e noutras áreas centrais da vida escolar.

Referir o “eduquês” pode ser uma má ideia caso se interprete isso como um ataque às ciências da educação. Mas não é disso que se trata: trata-se de atacar a ideia de que os conteúdos académicos são de abandonar, que a escola deve ser uma brincadeira e que tudo o que conta é promover conversas vagas sobre contemporaneidade e cidadania. (...)

E isso torna-se mais claro quando se fala directamente com os responsáveis: tudo o que parecem ter em mente são tolices políticas sem qualquer relevância seja para quem for excepto para a sua própria carreira pessoal. Um interesse genuíno por geografia, história, filosofia, biologia ou literatura — ou artes — é coisa que não se vê em qualquer documento educativo emanado do Ministério da Educação. Tudo o que se vê é a instrumentalização política da escola, discursos vagos sobre a construção da cidadania e outras mentiras políticas, ao mesmo tempo que não se exprime com clareza uma ideia decisiva sobre como ensinar eficazmente história, literatura, física, matemática ou qualquer outro conteúdo. E é a isto que críticos como Carlos Fiolhais, Helena Damião, Jorge Buescu ou Nuno Crato — e eu próprio — se referem ao usar o refrão (já gasto, concordo — está na hora de o abandonar) do “eduquês”. Não se trata de modo algum de rechaçar o estudo científico da educação ou a aplicação de teorias da educação. Na verdade, alguns dos melhores especialistas nacionais em ciências da educação são os primeiros críticos das políticas educativas nacionais, supostamente feitas de acordo com as ciências da educação. Uma hipótese de trabalho plausível é que não são as pessoas mais competentes em ciências da educação que determinam as políticas do ministério, mas antes as que melhor se movem nos tristes corredores do poder político". (post integral aqui)

(2008)

5 comments:

menina alice said...

"(assim como versões degradadas das disciplinas que ministram)"

Faz lembrar aqueles dias em que abrimos o frigorífico e alguma coisa cheira mal e percebemos que não podemos deixar passar mais um minuto sem ver que raio está a acontecer dentro daqueles taparuéres todos...

João Lisboa said...

É preciso ter um cuidado muito especial com a mousse de salmão:

http://lishbuna.blogspot.com/2008/11/o-pensamento-filosfico-portugus-viii.html

Anonymous said...

Brilhante. Não conhecia esse Blog, embora reconheça alguns dos seus colaboradores.
Vai já para os favoritos. Obrigado.

Quanto ao texto do Desidério Murcho: acertadíssimo.
E é sempre reconfortante ver gente, que nem sequer é professor(a) do ensino secundário (tanto quanto julgo saber, no caso), a falar tão acertadamente da epidemia.
O problema, depois, é saber como se eleva esta lucidez a um patamar de maior 'frequência' e 'sonoridade' na veia sanguínea, digamos, dos vasos comunicantes mediáticos para que não se 'percam' e limitem a blogs ou crónicas mais ou menos obscuras - e para que todos, mas todos, oiçam. E, de caminho, saber também como se corre à vassourada toda essa gente dos 'tristes corredores do poder político', quando se sabe o quanto, justamente, uma vez lá, se barricam e multiplicam a céu aberto como coelhos e refrões numa canção do Stephin Merrit...

João Lisboa said...

"E, de caminho, saber também como se corre à vassourada toda essa gente dos 'tristes corredores do poder político'"

Difícil, muito difícil. O circuito está eficazmente blindado, do ME às ESEs e suas inúmeras metásteses e ovos espalhados um pouco por todo o lado. Seria preciso fazer correr sangue. Metaforicamente falando, claro.

João Lisboa said...

metástases, claro.