03 August 2009

HÍBRIDOS DE PLÁSTICO


Discovery - LP

Deve haver quem continue convencido que, quando Richard Thompson se entrega à interpretação de “Oops!...I Did It Again”, de Britney Spears, ou Lloyd Cole ensaia uma versão de “Believe”, de Cher, ambos o fazem apenas enquanto estratégia de "comic relief" no alinhamento de um concerto e não por estarem genuinamente convencidos de que se trata de boas canções. É bastante provável que vá acontecer coisa semelhante com este LP, empreendimento lateral de Rostam Batmanglij – o teclista dos Vampire Weekend – e Wes Miles – dos também novaiorquinos Ra Ra Riot, cujo óptimo The Rhumb Line, do ano passado, passou, indesculpavelmente, abaixo de inúmeros radares (incluindo este) –, concebido ainda antes de ambas as bandas terem ascendido à primeira divisão pop. E, porque a coisa envolve também Angel Deradoorian (dos Dirty Projectors) e Ezra Koenig (dos Vampire), maior será a tentação para a encarar como uma piada inconsequente da seita de Brooklyn, exclusivamente destinada a festarolas betas. À “Pitchfork” (que, previsivelmente, em defesa da honra indie ofendida, demoliu o álbum), Wes Miles caracterizou LP assim: “Well, we definitely had a sense of humor when we were creating the music. But it’s serious, too. It’s not, like, serious serious, but, um...”.



Exactamente, na mouche: é, sem dúvida, um divertimento em que Rostam e Wes se aplicam a fundo na pulverização da percepção pública do que é suposto ser uma divindade indie mas que, através dos próprios processos que utlizam – a plastificação sonora radical de uma estética que vai do synthpop a Aphex Twin e Timbaland –, cria, simultaneamente, uma caricatura-multigéneros e, em três ou quatro faixas (de um total de dez), belíssimos híbridos inclassificáveis de candura digital. Explicando um pouco melhor: tal como os Vampire Weekend têm pouco ou nada a ver com a autenticidade da música africana de que se alimentam (e confessam-no: “This feels so unnatural, Peter Gabriel too”), o duo Discovery é totalmente estranho a este universo de Auto-Tuners – a maquineta que "vocoderiza" e arredonda qualquer angulosidade ou imprecisão vocal –, batidas robóticas, êxtases andróides e, sim, aqui e ali, afloramentos do que, em latitudes próximas, Paul Simon ou Peter Gabriel poderiam muito facilmente experimentar. Mas que, quer se aplauda, quer se rejeite, nestas versões do épico “Can You Tell?” (dos Ra Ra) convertido em assombração electro, de “I Want You Back” (dos Jackson 5) envolvido em espirais de sintetizador e nas várias outras declinações, extravagantes ou minimais, deste vocabulário, não cora de vergonha por sair da sua zona de conforto nem parece demasiado preocupado com a chuva de impropérios que, inevitavelmente, o irá acolher.

(2009)

1 comment:

Táxi Pluvioso said...

Comic relief? Money money é o que é. A estratégia da indústria é alargar o público consumidor.

E a Britney a cantar "I can't get no satisfation" sem a coisa dos cigarros é o quê? parental advisory?