06 September 2009

NARCISO FERIDO


Noah & The Whale - The First Days Of Spring

Costuma ser receita garantida para o tédio irredimivel: jovem poeta/músico/artista, de coração dilacerado pela ruptura de uma relação amorosa, verte toda a sua dor oceânica sobre a página/o microfone/a tela, insufla-lhe fôlego conceptual à escala himalaica da tragédia e não descansa enquanto não tiver aborrecido de morte o último habitante da galáxia. Não é, realmente, fácil achar forma de contar ainda outra vez a mais antiga história do mundo sem correr o risco de voltar a pisar, uma por uma, todas as pegadas já milhões de vezes deixadas por outros. Apresente-se, agora, Charlie Fink, desapiedadamente abandonado pela namorada (Laura Marling, starlet pop-folk ascendente e ex-elemento da banda de Charlie), e que, para aprofundar a ferida narcísica, foi o responsável pela produção do álbum Alas, I Cannot Swim de que resultou a nomeação dela para o Mercury Prize.



Uma réstea de luz acende-se – mas, como se sabe, isso nunca é garantia de nada – quando se descobre que Noah & The Whale, o nome da banda, se inspirou no filme The Squid and the Whale, realizado por Noah Baumbach, e que, na lista de afinidades electivas de Fink, se encontra também Wes Anderson. A música, então: primeira faixa (a canção-título), sete minutos de lenta mas avassaladora ascensão orquestral, da glacial secura marcial dos Joy Division até à explosão do fogo de artifício final em 70 mm. Tema: “I do believe that everyone has one chance to fuck up their lives". KO instantâneo e hipóteses de análise fria reduzidas a cacos. É, por isso, sob séria reserva de temporária insanidade, que, escutado todo o disco (tema geral: “If you gotta run, run from hope”), afirmo que The First Days Of Spring é o melhor álbum de dor-de-corno desde Sea Change, de Beck, coisa próxima de The Opiates, dos Anywhen, ou de Ocean Rain, dos Echo & The Bunnymen, o género de odisseia pop capaz de reduzir os Arcade Fire à sua insignificante dimensão e de obrigar Neil Hannon a colocar-se em sentido. Paralelamente, Fink realizou uma curta metragem homónima. Se for digna de caminhar na sombra de Wes Anderson, será a cereja em cima do bolo.

(2009)

3 comments:

Anonymous said...
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João Lisboa said...

Estou quase, quase a instituir a moderação de comentários por causa do spam "oriental"...

Anonymous said...

Põe a identificação das letras. Isso elimina o spam.