26 October 2010

MALMEQUERES DE NANJING



Belle And Sebastian - Write About Love

Norah Jones em "Little Lou, Ugly Jack, Prophet John" e um sintetizador manhoso que se assemelha arrepiantemente a uma flauta de Pã em "Read the Blessed Pages". Só isto seria muito mais do que suficiente para condenar os Belle And Sebastian ao mais fofinho dos infernos onde, definitiva e eternamente, se veriam cercados de Hello Kitties que lhes serviriam copinhos de leite morno e lhes dariam beijinhos castos na testa. A coisa, porém, agrava-se substancialmente quando, depois de God Help The Girl e Dear Catastrophe Waitress, ficámos a saber que, no organismo de Stuart Murdoch, circulava um pouco mais de testosterona do que, inicialmente, se supunha. Houve mesmo um momento – o da publicação de God Help The Girl – em que chegou a ser possível imaginar que, ali, poderia encontrar-se um sucessor à altura para aquela vaga na linhagem pop que, de Phil Spector aos ABBA, embora com diversas candidaturas entregues, ainda não se encontra preenchida. Trágica ilusão: se eles, de facto, sempre foram adeptos daquele género de transcendência que se alcança a colher malmequeres ao lusco-fusco, agora, com Write About Love, desceram ao patamar inferior onde os únicos malmequeres disponíveis são de plástico, oriundo das melhores fábricas de Nanjing. Por outras palavras: são capazes de fazer muito melhor mas o pé foge-lhes, irremediavelmente, para este chinelo de escriturários deprimidos e místicos suburbanos que, olhando fixamente para o Sol, em vez de fritarem a retina, descobrem Deus. Espremendo a benevolência até à última molécula, haverá por aqui duas ou três hipóteses de um lugar naquela metade da tabela das eliminatórias para o festival da Eurovisão que dá acesso à final. Sonhar com mais do que isso não vale a pena.

(2010)

5 comments:

menina alice said...

Eu gosto quando escreves bem, mas divirto-me tão mais quando escreves mal... :D:D:D

Não fora o irremediavelmente, cuja utilidade percebo, a frase "o pé foge-lhes para o chinelo de escriturários deprimidos e místicos suburbanos" é figura da mais nobre poesia.

João Lisboa said...

Se tu me ordenares que remova o "irremediavelmente", é logo!

boizinho said...

eu, por acaso, também me comovo quando vomitas fel.

menina alice said...

Se fosse um poema que estivesses a escrever, ordenar, não ordenava, mas metia uma cunha.

João Lisboa said...

É recompensador tomarmos consciência que apenas com uma diminuta prosa conseguimos tocar o coração das pessoas...