25 October 2010

SOBRE AS PEGADAS DOS POETAS
(sequência daqui)



Camané - Do Amor e dos Dias

Foi precisamente há quinze anos que foi publicado Uma Noite de Fados, primeiro álbum da carreira adulta de Camané. No final de 1999 – já Na Linha da Vida (1998) fora editado e Esta Coisa da Alma (2000) estava a caminho –, aquando da morte de Amália Rodrigues, era já absolutamente claro que, se seria sempre tolo e absurdo procurar descobrir-lhe um(a) sucessor(a) capaz de ocupar o mesmo exacto lugar, não havia que alimentar demasiados receios: o fado tinha já uma (pelo menos uma) voz pronta a elevá-lo a altura idêntica à que Amália o conduzira. Nos seguintes Pelo Dia Dentro (2001), Como Sempre... Como Dantes (2003) e Sempre de Mim (2008), os passos que o confirmariam para além de qualquer dúvida foram percorridos: Camané possuía a voz, o seu Oulman – simultaneamente director musical, compositor e bússola estética – em José Mário Branco, e um desejo voraz de, mantendo-se no perímetro dos códigos tradicionais, não hesitar em lhes expandir os limites.



Nesses e, agora, neste Do Amor e dos Dias, não foram necessários tremendos sobressaltos, rupturas dramáticas nem manifestos (re)fundadores: austero como sempre (e como dantes), Camané caminha sobre as pegadas dos poetas – os dos livros: Mourão-Ferreira, Alexandre O’Neil, Cesário Verde; os da canção: Sérgio Godinho, Fausto; os do fado e outros becos: Frederico de Brito, Manuela de Freitas, Miguel Novo, Luís Viana, Margarida de Castro – e, por entre irónicas alusões ao cinema (“A Guerra das Rosas”), poses rapidamente desmanteladas de faux-macho, guitarra, viola e baixo em geometria imponderável e as subtilezas microsubliminares dos arranjos (as alusões ao vetusto hino da RTP e a “All You Need Is Love” em “A Guerra das Rosas”), lança mais uma solidíssima pedra para o edifício do (novo?) fado.

(2010)

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