06 February 2012

AMERICAN IDOL


Lana Del Rey - Born To Die

A lista de compras: Pabst Blue Ribbon, Diet Mountain Dew, Baccardi, um Bugatti Veyron, cocaína, um Pontiac branco, champanhe Cristal, vestido vermelho, óculos de sol em forma de coração, alojamento no Chateau Marmont, baton vermelho, Schnapps de cereja, gasolina da Chevron, verniz de unhas vermelho. Momentos poéticos-chave: “sometimes love is not enough and the road gets tough”; “the way I roll like a rolling stone”, “you made my eyes burn, it was like James Dean”; “you were sorta punk rock, I grew up on hip-hop”; “love hurts”; “heaven is a place on earth”; “you’re no good for me but baby I want you”; “heaven’s in your eyes”; “your face is like a melody”; “no one compares to you”; “then I saw your face and you blew my mind”; “take a walk on the wild side”; “I was lost but now I am found, I can see but once I was blind”. Personagens centrais: a menina boa e o rapaz mau e/ou a menina má e o rapaz mau. Autora: Lana Del Rey, aliás, Lizzy Grant, aliás (atenção: redundância!), “the gangsta Nancy Sinatra”, aliás, "torch singer" de um sonho húmido de David Lynch (considerar, em alternativa, Walt Disney), Lolita de série B, Rita Hayworth da era-YouTube, Jessica Rabbitt 3D, Peggy Lee ressuscitada para consumo adolescente.



Por que motivo, então, a propósito de Lana Del Rey (putativa "next big thing" em suposto figurino "noir") e Born To Die se precipitam, a galope, todos os clichés? Talvez – conferir em “lista de compras” e “momentos poéticos-chave” –, justamente, porque uma e outro não sejam mais do que um densíssimo concentrado de, como dizer?... clichés a que ninguém se deu ao trabalho de aplicar sequer um "spin" warholiano. Explicando melhor: o cliché é matéria-prima pop esssencial mas, para ser eficazmente processado, exige que, ao olharmos, por exemplo, para a representação de uma lata de sopa Campbell’s, o cérebro, sorrindo, nos dispare imediatamente a mensagem “ceci n’est pas une Campbell’s soup can”. E é por aí mesmo que (muito mais do que a questão de saber se Lizzy/Lana é coisa “genuína” ou fabricação industrial – polémica "unpop" por definição –, se pagou o imposto da vida pela tabela-Winehouse ou é "a rich daddy’s little pet") a construção desaba: o Pontiac é apenas um Pontiac, o “walk on the wild side” é só copianço, o Dean e a Hayworth descobrem-se sequestrados no casting para um "teenage drama" pateta, e, azar supremo, é pelos pesadelos e não pelos sonhos de Lynch que mais o veneramos. Não esquecendo (pormenor nada desprezível) que "name dropping" e "product placement" como combustível estético (não risível) para canções é território privativo de Lloyd Cole e Vincent Delerm.



Resulta, pois, romantismo kitsch e melodrama de cartoon, mas daqueles kitsch e cartoon embaraçosamente rudimentares que, aspirando a uma impossível bissectriz "low budget" entre Kate Bush, Portishead e Goldfrapp com fermento orquestral "mock"-épico, não destoariam em eliminatórias de festival da Eurovisão ou batendo-se bravamente por um lugar no pódium do American Idol. Não são o artifício e a manipulação que incomodam (venham sempre mais e, de preferência, em overdose generosa) mas sim o facto de os cordelinhos se verem claramente na imagem e a pose de ninfa trágica enfastiada ter cerca de metade da espessura shakespeareana de uma personagem de telenovela. Nada de grave, no entanto: se uma concha de bivalve sem molusco lá dentro é capaz de, a partir de uma Germanotta comum, gerar uma Lady Gaga pronta a competir no mercado, porque não há-de uma Lizzy banal ser o casulo de outra rentável Lana?

8 comments:

Semisovereign People at Large said...

só os mortos é que escapam à banalidade?

é que se continuassem vivos provavelmente seriam tão banais como os restantes..

muitos actores nunca chegaram ao estreladus celuloidescus

e o ...perdi-me nos lugares comuns

resumindo : auto-construções ou construções publicitárias têm todas o seu mérito

a praga da cientologia ou o que se renomeou David Koresh..tamém nã eram banais aos olhos de uns quantos escolhidos

a diferença entre a banalidade e a abananalidade é a red thin line

Lola said...

Resumindo: Muito carnaval por nada.
Mas a imprensa metida a vanguardinha, está achando ela o máximo. Esse negócio de roupinha de
de filmes da década de 40 e 50 dá nisso. Sem esquecer a evocação de Lana Turner misturada as atrizes mexicanas.
Mais tédio.

João Lisboa said...

"Muito carnaval por nada"

Por cá, até vai haver pouco carnaval.

Lola said...

Pouco carnaval por ela e pelos políticos portugueses.

Rui Gonçalves said...

Tenho consciência do miserabilismo que grassa por aí em matéria musical. Ainda assim, há muito tempo que não escutava nada tão mau...

João Lisboa said...

Também não exageremos. É mauzinho...

Anonymous said...

Mas a gaja é podre de boa!
(este comentário não assino)

João Lisboa said...

"Mas a gaja é podre de boa!"

Nem sequer isso.