02 April 2012

CANAL DE HISTÓRIA PUNK

 
















Os Passos Em Volta - Até Morrer 



  














Kimo Ameba - Rocket Soda 

















Pega Monstro - Pega Monstro

Aos dezassete anos, Arthur Rimbaud tinha claramente definido um programa de vida: “através de um longo, prodigioso e progressivo desregramento dos sentidos” tornar-se “vidente”, isto é, poeta. Três anos depois, publicara já Le Bateau Ivre, Une Saison En Enfer e Illuminations – a totalidade da obra poética a que se deverão acrescentar as anteriores Poésies (1869–1873) –, encerrara definitivamente a sua aventura literária e escancarara as portas do infinito a Dylan Thomas, Allen Ginsberg, T.S. Eliot, Van Morrison, Cesariny, Bob Dylan, Patti Smith, Salinger, Hector Zazou, Sérgio Godinho, Leo Ferré ou Godard (para nos ficarmos por uma lista muito abreviada). Assombrado por David Bowie, Roddy Frame contava dezasseis anos quando gravou os primeiros singles, com os Aztec Camera, e dezanove por altura da edição do formidável primeiro álbum, High Land, Hard Rain. Foi também aos dezasseis anos que Laura Marling se mudou para Londres e integrou a tripulação dos Noah & The Whale – aos vinte e um, já havia registado o magnífico trio, a solo, Alas, I Cannot Swim (2008), I Speak Because I Can (2010) e A Creature I Don’t Know (2011). E o rol de grandes, pequenos e médios talentos adolescentes poderia alongar-se indefinidamente.



É por estes e por outros que não poderia ser mais insuportavelmente condescendente e paternalista lançar bênçãos e hiperbólicos louvores sobre álbuns como as estreias das Pega Monstro, Kimo Ameba e Os Passos Em Volta (a salva inicial de lançamento da indie, Cafetra Records), em virtude de, alegadamente, se tratar de manifestos sonoros de “como os putos se sentem hoje”. Porque “os putos de hoje” (como “os putos” de sempre) sentem-se de mil e uma formas diferentes, não vêem unanimemente a necessidade de se exprimir numa versão lowest of the lo-fi do rock de garagem e não vivem todos devastados por tempestades metafísicas da ordem de grandeza de “Tenho uma afta na boca, já não como ananás, tenho uma afta na boca, como é que fui capaz?” ou “Hoje em dia faz tudo tão mal, não comas peixe, carne ou vegetal”.



A pátria poderá ser um penico, Lisboa um dedal e a pirâmide demográfica estar dramaticamente invertida mas, seguramente, existem ainda sub-20 capazes de produzir música que nos poupe ao patético espectáculo de avaliações críticas de gente adulta com os joelhos a tremer de emoção perante bandas com o potencial de, comparativamente, elevarem os Sex Pistols ao estatuto da Filarmónica de Berlim. E a cláusula-insolência punk/atitude-DIY, para além de já velhota e para lá do período fértil, quando expressa por catraiada urbana universitária ou pré, em termos de “não quero ir à escola, não quero virar lixo como os tios” (os tios que, provavelmente, cantavam “We don’t need no education”...) e “se isto não é música, então faz tu uma canção, se eu desafino, canta lá tu ó meu cabrão”, soa bastante, como dizer?... postiça. A chinfrineira será muito catártica, duas ou três gerações acima imaginarão que regressaram ao pátio do liceu mas, por Rimbaud!, não se alucinem genialidades onde só há uma emissão do Canal de História Punk de festa de finalistas. 

27 comments:

nassar said...

Caríssimo Professor, este rapaz anda a tentar fazer uma coisa diferente. E canta sem aftas na boca.
É meu amigo, portanto considere este meu comentário como tráfico de influências. Boas influências, I hope.

http://www.myspace.com/luisfolgado

e

http://www.youtube.com/watch?v=xSQsxb8RHTc

João Lisboa said...

"considere este meu comentário como tráfico de influências"

:-)

Gostava de ouvir mais coisas para poder limpar umas dúvidas.

nassar said...

Tenho a certeza de que ele teria imenso prazer em enviar-lhe as restantes faixas do disco que acaba de gravar, e para o qual procura editora.

Anonymous said...

MPD Música Pop Desempregada é um conceito que lhe é capaz de interessar...

(tipo spam)

João Lisboa said...

Que mande, Luís.

Anónimo, you lost me there.

Anonymous said...

isto:
http://popdesempregada.wordpress.com/

João Lisboa said...

Interessante. Vou investigar. Obrigado.

Anonymous said...

Tudo vai bem no mundo quando a terceira idade tem que se agarrar ao pobre Rimbaud, qual kompensan, para acalmar a azia provocada pelo rock da juventude alheia.

O que vai mal é o tom de bully com que um jornalista (que até é dos únicos neste "penico" que sabe umas coisinhas de música) perde a cabeça e tenta desesperadamente ridicularizar 3 discos sem escrever uma linha sobre os ditos. Que a histeria forjada de um certo borra botas que escreve para um certo suplemento de uma certa concorrência irrite o amigo Lisboa, é até compreensível. Que o mesmo amigo recorra ao facilitismo de citar letras (como um adolescente) para construir o argumento, até parece mentira. Certamente nenhum desses 3 discos terá a profundidade poética de um "she loves me yeah, yeah, yeah", de um "mamã, mamã, onde estás tu mamã", de um "mostra-me o teu lado lunar", de um "a a e i o vai para a neta o que foi da avó" ou, em voos mais rasteiros, de um "toda a gente fon fon fon", mas será mesmo a poesia chamada para o rock? estou mesmo a ler um crítico de respeito dizer que a efemeridade da cultura Pop deve ser comparada à eternidade dos grandes da Arte Erudita? Será a azia de dimensão tal que justifique tamanho rol de disparates e tamanha ignorância pelo conteúdo dos 3 discos que o leitor julga, ao ler o título, que foram ouvidos pelo jornalista que é pago para escrever sobre eles? ou será isto uma crítica a alguma reedição do Rimbaud que eu desconheça?

Caro amigo Lisboa, entristece-me que tenha caído no umbiguismo desbragado que tanto critica nos críticos menores, mas ainda assim podia ter-se poupado aos exemplos fáceis: sugiro que com os seus amigos cultos use de argumentos mais requintados; porque não falar antes em Ganymedes? era mais novo e abriu muito mais portas sem nunca ter escrito uma linha. Assim sempre se poupa a que alguém o lembre do que fizeram com os seus doces anos de velhice Cervantes, Vergílio, Kant, Bach, Lizt, Borges, Camilo (para nomear só alguns dos que estão mortos); ainda acaba a sofrer de insónias!

Um abraço.

João Lisboa said...

"estou mesmo a ler um crítico de respeito dizer que a efemeridade da cultura Pop deve ser comparada à eternidade dos grandes da Arte Erudita?"

A tese da "efemeridade da cultura pop" também já viu melhores dias. Mas reparou que não foi só do Rimbaud que falei, não reparou? O Roddy Frame e a Laura Marling são quê? Schoenberg?...

"entristece-me que tenha caído no umbiguismo desbragado que tanto critica nos críticos menores"

Eu critico o "umbiguismo desbragado" dos "críticos menores"? Jura? Por acaso, até tenho um certo carinho pela ideia de "umbiguismo desbragado"...

E, que raio, essa rajada merecia uma assinaturazita melhor do que... "anónimo".

Anonymous said...

para bully, bully e meio.

João Lisboa said...

Uuuuuuh....

(tinha mesmo razão: há mesmo quem sonhe com o regresso ao pátio do liceu, com bullying, profs maus e profs fofinhos, criancinhas horrivelmente traumatizadas...)

João Lisboa said...

Errata: retirar um "mesmo" (à escolha).

PG said...

O que é verdadeiramente triste é não se ter a noção das coisas. É ridículo achar que toda a gente tem de gostar do álbum a, b ou c ou apoiar algo simplesmente porque existe ou porque outrém diz que é bom. Então e a liberdade de opinião onde fica? Mas também é mau verificar que quem ocupa um lugar previlegiado e merecido escreva num tom algo paternalista. Não podemos querer encontrar a cada passo e em cada banda nova, novos cohen, laurie anderson, cale ou outros valores de inegável e reconhecida dimensão poética pois não? Até porque a música não se resume à sua componente escrita. Por isso acho que quanto às bandas da Cafetra Records é de louvar a iniciativa, a criação de algo é um acto difícil que implica esforço e sacrifício. Por isso merece respeito e admiração. Quanto ao valor musical e lírico dos 3 álbuns em questão ele é o que é: jovens a fazer música que gostam de forma honesta. É verdade que nada há de muito novo aqui. Mas qual é o mal? Se daqui vem uma revolução ou algo fabulosíssimo que vai deixar marca e mudar o mundo? Por agora não mas quanto ao futuro só o tempo o dirá. Pelo menos agitam o panorama musical português, o que é bom e mostram o caminho a outros que queiram começar projectos e bandas novas.

PG said...

Outra coisa típica de Portugal: desdizer dos outros quando dizem mal de nós. A MPD é outra coisa que tem razão de existir e como tudo tem coisas boas e outras nem por isso. E ainda uma outra crítica: é feio e vergonhoso esconderem-se atrás do anonimato para atacarem alguém que é conhecido publicamente. Ao responderem para "bully bully e meio" estão a fazer exactamente aquilo que tanto criticaram e portanto esse argumento não colhe razão nenhuma. Até porque toda a gente percebe que quem respondeu é da Cafetra.

Lugones said...

Subscrevo por completo a crítica que o João Lisboa fez a estes discos.
Fico estupefacto com a atenção que os mesmos estão a gerar - e porque não dizer as coisas pelos nomes? Capa do Jornal Público, com um artigo insano que vê poesia e profundidade em meia dúzia de frases patetas.
E sim, é incrível estar a defender as "meninas" porque são muito jovens, como se ter 20 anos de idade não permite escrever letras melhores.
Eu até nem me importaria com as letras se as músicas valessem alguma coisa, o que não é o caso (vide os Kimo Ameba, horríveis).
No fundo, os tais artistas, gente da moda, pessoal das galerias, biólogos, tradutores, engenheiros, em suma, a "gente sofisticada", nas palavras de João Bonifácio, e que assiste aos concertos dos pega monstro e afins apenas pretende recuperar a sua velha juventude. É bonito, tiram das gavetas as suas velhas tshirts bolorentas e vão cantar a plenos pulmões "eu vi um macaco".
Nada de novo, nos anos 90 os bem superiores Pinhead Society também foram capa de jornal por causa de uma gravação manhosa.
Não tenho nada contra estas bandas, mas parece-me que causam muita polémica para nada. A montanha nem chega a parir um pobre ratito.

João Lisboa said...

"também é mau verificar que quem ocupa um lugar previlegiado e merecido escreva num tom algo paternalista"

Paternalista? É exactamente o inverso. Paternalista é afirmar que como coitadinhos-são-putos-e-tal até é muito bom, que eles não dão mais.

"Não podemos querer encontrar a cada passo e em cada banda nova, novos cohen, laurie anderson, cale ou outros valores de inegável e reconhecida dimensão poética pois não?"

Não podemos agora nem nunca. E nunca foi essa a questão. Não é indispensável ser genial para não ser só medíocre.

"Até porque a música não se resume à sua componente escrita"

Exacto. E o que não é "escrita" é tão débil como o que é "escrita".

"é de louvar a iniciativa, a criação de algo é um acto difícil que implica esforço e sacrifício. Por isso merece respeito e admiração"

Quando o resultado é respeitável e admirável.

"Quanto ao valor musical e lírico dos 3 álbuns em questão ele é o que é: jovens a fazer música que gostam de forma honesta"

Lá está: "são jovens, coitadinhos, não se pode pedir mais..." Pode, pode!

Vanda Noronha said...

Olhe, estou aqui (não literalmente que seria pouco prático) a aplaudir de pé este seu post.

Parece-me um hype derivado de frustrações e motivações algo..tristes, vá. Mal resolvidas.

Puxando, com alguma lata, a brasa à minha sardinha: http://chifre.bandcamp.com/album/gazela

Têm 20 anos também. Jovenzinhos.

PG said...

A razao de ser do meu primeiro texto aqui é porquê dispender energia (e palavras) a falar de algo que não se gosta? Porque não falar de algo que se gosta e que seja um disco recente também? Acho que colocou tudo no mesmo saco, uma coisa é a crítica à música e outra coisa é a crítica ao hype que foi criado à volta destas bandas e que acha imerecido. Ainda há pachorra e tempo para ir atrás destas coisas? Só vai atrás do hype quem quer e para mim não obrigado. O que eu acho é que há lugar para todos e depois o público saberá julgar. Se haveria muitas outras bandas portuguesas mais dignas do hype que estes tiveram? Também não tenho dúvidas em relação a isso. Mas pergunto há alguma novidade neste assunto? Creio que os críticos deviam falar do que acham bom e que deveriam divulgar mais e melhor o que merece o tal hype, se acham isso relevante. Eu também não sou fã das bandas em questão. Mas não é pelo facto de se ter uma posição discordante que não se pode fazer uma crítica educada, sem afrontar os envolvidos.

Vanda Noronha said...

Acho igualmente legítimo falar do que se gosta e do que não se gosta.

É que claramente ainda há pachorra e tempo para ir atrás destas coisas. Como deve haver, e penso que faça todo o sentido. Não vejo a lógica de auto-censura.

Anonymous said...

Caro João: ao ler a sua crítica, não pude deixar de pensar: "Até que enfim alguém com lucidez e os ouvidos sensatos!" Que bálsamo...
César

João Lisboa said...

"porquê dispender energia (e palavras) a falar de algo que não se gosta?"

Muito patusca essa concepção da crítica. Portanto, só devem existir críticas positivas e, quanto ao que é fraquinho, assobia-se para o ar, é isso?

"não é pelo facto de se ter uma posição discordante que não se pode fazer uma crítica educada, sem afrontar os envolvidos"

"Educado" o que escrevi, foi. Mas essa atitude portuguesinha curta do respeitinho-é-muito-bonito é que no way. Por acaso, costuma ler jornais/revistas de música ingleses ou americanos? Experimente.

João Lisboa said...

"Até que enfim alguém com lucidez e os ouvidos sensatos!"

Basta não ser (muito) surdo.

Anonymous said...

Excelentes pontos de vista abordados e muito bem geridos caro joão lisboa; Um prazer t-lo lido!

Anonymous said...

Toda esta conversa é mil sad.

Anonymous said...

Saber que há alguém que não está minimamente interessado em alinhar em certos circos, expondo a sua opinião com a autoridade e a independência do costume e ainda conseguir aturar com educação uma horda de miúdos desinformados e com sangue na guelra, é uma tarefa hercúlea. Ainda bem que há gajos como o João Lisboa, que pensa o que está à sua volta com os pezinhos na terra e os ouvidos bem calibrados. Há momentos na nossa história que só à chapada. Como este - Pega Monstro, cafetrada records e afins. Conclusão: João Lisboa não escreve para comer gajas. Fixe. Parabéns. :D (Gonçalo)

João Lisboa said...

"João Lisboa não escreve para comer gajas"

Não sou antropófago. Nem vegetariano.

:-)

Jay Addler said...

http://thedalecooperandgordoncolebigbandexperience.bandcamp.com/

A prova de que a cafetra interessa