26 April 2012

“NÃO SEI DAR ORDENS ÀS CANÇÕES”



Do outro lado da porta fechada, está um fulano que foi metade de uma das bandas norte-americanas – os White Stripes – que, alegadamente, injectaram adrenalina no rock’n’roll do novo milénio. O mesmo tipo que, na condição de impulsionador da editora "indie", Third Man Records, no espaço de três anos, publicou 140 discos (singles e LP) em vinil, dos quais vendeu 600 000 cópias, e que, a “Rolling Stone”, em 2011, incluiu no top 20 dos melhores guitarristas de sempre (“the hottest new thing on six strings”). Aliás, o novo-Rick Rubin, especializado na ressurreição de vetustas lendas femininas da country e do rock como Loretta Lynn e Wanda Jackson, mas também (ainda via Third Man Records) candidato a sucessor de Harry Smith, enquanto compilador de marginalia da cultura popular (do leiloeiro Jerry King a Dwayne “The Teenage Weirdo” ou a... Conan O’ Brien). Ele dos Raconteurs e Dead Weather e, neste exacto momento, empenhado em dar a conhecer ao universo o seu primeiro ábum a solo. E, justamente ali, minutos antes de começarmos a conversar, que quatro palavras se alinham na memória? “The Queen Is Dead”. Dos Smiths. Sim, porque, o ocupante da “Suite de La Reine”, naquele hotel da Place des Vosges, em Paris, após um quádruplo "knock-knock" na porta, não dá sinais de vida. Alarme, por fim, não confirmado e tiro de partida para a sessão de esclarecimentos sobre Blunderbuss e tópicos afins. 

Nas suas próprias palavras, este é um disco que tem apenas a ver consigo, com a sua capacidade de expressão através das suas cores, na sua tela privada. Como se apercebeu que ele nunca poderia ser assinado pelos Raconteurs ou Dead Weather e, muito mais improvavelmente, pretexto para a reanimação dos White Stripes? 
Sabe, é-me muito difícil dar ordens a uma canção. Convencemo-nos de que somos capazes desse tipo de coisas – vai ser assim, ter este título... – mas, especialmente, como acontece comigo que trabalho com diversas bandas, quando as canções me aparecem, não faço ideia do como elas deverão ser. Estas canções nunca me disseram que deveriam figurar num álbum dos Dead Weather ou dos Raconteurs. Por isso, fui obrigado a perceber que teria de ser alguma coisa diferente. 



O que significa “Blunderbuss”? 
É uma palavra holandesa para uma arma-gigante, uma espingarda-elefante de grande calibre, capaz de disparar uma nuvem de pregos ou de pedras com um enorme potencial de destruição. É o que eu pretendo que aconteça com as canções, que elas sejam poderosas, que provoquem e trespassem quem as escutar. Chamar Blunderbuss ao álbum foi, então, para mim, como uma bênção.

Provavelmente, vai odiar-me por dizer isto. Mas, por diversas vezes, ao escutá-lo, os Rolling Stones (em especial, na fase mais psicadélica) me vieram à cabeça... 
(risos) É muito melhor do que se tivesse dito Led Zeppelin!... Nós – particularmente na América – deixamo-nos prender muito por caracterizações excessivamente simplistas. Qualquer coisa que soe um pouco mais pesada ou que parta de um riff poderoso, é imediatamente associada aos Led Zeppelin. Mas agrada-me muito quando as pessoas ouvem coisas diferentes na mesma música. Já houve quem me falasse de influências do jazz, quem tenha dito que é um álbum muito assente no piano... óptimo! Mau seria se soasse da mesma forma a toda a gente.

Terão sido essas canções mais conduzidas pelo piano que o transformam num álbum de Jack White?
Não sei, não é fácil responder a isso... Uma das coisas que penso ter aprendido com este álbum é que, se, numa canção tivermos uma guitarra ou um piano, são eles que, aos nossos ouvidos, se transformam no instrumento principal. Apossam-se da canção. Mesmo que eu tivesse escrito uma canção ao violino e a tocasse também no violino, se existir um piano, ele toma conta da canção. Toda a gente irá dizer que é uma canção-com-piano e não com violino. Estava convencidíssimo que, numa das canções, o centro de gravidade era o baixo mas, porque havia também piano, ninguém conseguiu aperceber-se disso. A guitarra e o piano são muito dominadores.



O Tom Waits dizia que, desde que deixou de compor ao piano, a música dele mudou... 
Exacto. Sempre compus ao piano ou à guitarra como ponto de partida. Mas, neste álbum, mesmo que tenha sido eu a conceber as partes de guitarra, preferi entregá-las a outros músicos para que as reinterpretassem para mim.

Como se sente no papel de ultimo elo numa longa dinastia de "guitar heroes"?
De facto, não me vejo assim. Sou, desde sempre, fundamentalmente, baterista. A guitarra é apenas um instrumento... a que as pessoas reagem bem. Nunca, realmente, me apaixonei por ela. Temos apenas uma boa relação.

Mas assumiu a condição de "guitar hero" no filme It Might Get Loud, em que com o Jimmy Page e The Edge, conversam sobre a história da guitarra eléctrica... 
É verdade. E é simpático saber que qualquer instrumento que eu toque as pessoas aceitam bem. Mas, num concerto do Bob Dylan, também há, de certeza, muita gente que está à espera de o ouvir tocar harmónica. Ele tem de tocar harmónica, exigem isso dele, mesmo que lhe apeteça mais pegar na guitarra ou nos teclados.

Mas, de qualquer modo, tem o seu panteão pessoal de guitarristas?
Sim, mas sob ângulos muito diferentes... por exemplo, acho o Willie Nelson um guitarrista fantástico, ele é tão desmazelado, tão destrutivo e descuidado na sua maneira de tocar... é lindo. O Prince é um guitarrista brilhantíssimo totalmente subestimado. Ou o Tom Morello, dos Rage Against The Machine, que é extremamente original pelo estilo e pela sonoridade, em especial, naqueles pormenores em que a maioria das pessoas não repara.



A sua multiplicação de actividades é coisa instintiva ou apenas uma forma de não se deixar consumir pela rotina?
 A verdade é que nunca tive de andar à procura de coisas para fazer. É mais ao contrário: falta-me tempo para fazer tudo aquilo que já deveria ter feito há semanas. Nunca consigo chegar lá e nem sei como irei alguma vez conseguir. No ano passado, reconstruí a minha oficina de estofos, em Nashville, mas, durante todo este tempo, ainda não consegui pôr as mãos em nada. Queria voltar a dedicar-me ao ofício mas é mais outra coisa que tem ficado para trás...

Tanto na sua própria música como naquilo que aceita produzir ou publicar na Third Man Records, há uma forte presença da história da cultura popular. Por acaso, leu Retromania, do Simon Reynolds, em que ele aponta o dedo à viciação da pop no seu passado?
Não li mas “retro” é uma péssima palavra. Aliás, todas as palavras que começam por “re” – recriar, reinventar – significam que estamos a fazer algo que já foi feito antes e que procuramos replicar. Por vezes, perguntam-me como vou gravar um determinado disco e respondo que o farei em fita magnética. Dizem-me logo: “Ah, é um adepto do retro e prefere que a música soe a anos 60...”. Não! Pretendo que soe a 2012 mas, se, enquanto produtor, me pergunta o que soa melhor, eu responda que em fita soa melhor do que no computador. Se prefiro o vinil, não é porque deseje recriar um momento qualquer de quando tinha oito anos mas porque o som é melhor. Acontece o mesmo no cinema. É como se disséssemos que já não precisamos de quadros a óleo porque temos o Photoshop. Se uma coisa produz beleza e deixa a sua marca na humanidade, temos de nos agarrar a ela. É o que se passa com o vinil. Que, aliás, é o único sector do mercado discográfico em crescimento.

Talvez porque os CD caíram a pique e o vinil, praticamente, recomeçou do zero...
Cada disco que publicamos tem uma edição limitada que apenas pode ser adquirido numa determinada altura, numa certa cidade ou nesta ou naquela cor ou design. Parece-me que as pessoas precisam de uma pausa para voltar a reflectir sobre isto. É difícil lutar contra gadgets como o iPod: é giro, cabe no bolso, guarda 20 000 canções... Mas... calma, parem. Lembram-se daquele aparelho onde podiam colocar um disco, e, depois, acender umas velas, beber um copo de vinho? Há todo um romantismo em torno disso... as capas, o cheiro. O mundo digital não tem romantismo nenhum. 

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