13 May 2012

A REGRA DE TRÊS SIMPLES 
(1ª parte da entrevista com Jack White publicada na "Blitz")



Na “suite de la Reine”, do Pavillon de La Reine, na Place des Vosges, em Paris, Jack White – ex-White Stripes, Raconteurs e Dead Weather episódico, e actual “himself”, a solo, via o novíssimo Blunderbuss – está sentado no sofá ao meu lado. Mas, no exacto instante em que, num cotovelo da conversa, a memória recua até à sua infância, em Detroit, as imagens que me passam em frente dos olhos são as daquela sequência de O Sentido da Vida, dos Monty Python (mais exactamente, “O Milagre da Vida, Parte II, O Terceiro Mundo”), em que, no Yorkshire, o pai de uma família católica com uma numerosíssima descendência, chega a casa para comunicar à prole que preenche cada centímetro quadrado do modestíssimo lar, que a fábrica onde trabalhava acabou de o despedir, pelo que se vê obrigado a vende-los a todos para experiencias cientificas. E sem quaisquer remorsos por ter de o fazer, pois se o criador o abençoara com uma tão vasta descendência, isso se devia, mui justamente, ao facto de ele sempre ter cumprido a santissima lei que decreta que “every sperm is sacred”.



Não me atrevo a perguntar a White se, lá em casa, ele, a mãe, o pai e os nove irmãos mais velhos alguma vez se terão entretido a ensaiar a maravilhosa coreografia que encerra tão magnifica suma teológica (nada de impossível: quando O Sentido da Vida estreou, em 1983, Jack, aliás, John Anthony Gillis, tinha sete anos, uma óptima idade para desempenhar um papel de figurante nesse momento clássico do cinema) mas arrisco uma jogada de envolvimento lateral: a experiência de crescer numa enorme e tão fervorosamente família católica (a mãe, Teresa, era secretária do bispo de Detoit, e o pai, Gorman, responsável pela manutenção da arquidiocese) que o conduziu, de acólito, na missa, a quase ingressar no seminário – com passagem, aos quatro anos, pelo elenco de The Rosary Murders, filmado na sua paróquia do Santo Redentor, no Sudoeste de Detroit -, só pode ter sido coisa que deixa marcas, não e verdade? 

“Sim, sim, mas pode acreditar que foi muito interessante. E é verdade, aos catorze anos, queria ser padre e fui aceite num seminário, do Wisconsin,. Mas, na altura, desisti e optei por uma escola pública, a Cass Technical High, em Detroit. Senti que não ia conseguir, que já não iria ser capaz de viver sem o amplificador que tinham acabado de me oferecer. Foi das primeiras e das raras vezes na minha vida em que mudei de ideias. Habitualmente, deixo-me conduzir pelo instinto. Mas, muito provavelmente, acabei por tomar a decisão certa: um ano depois, o seminário fechou”. 

A sequência – até hoje – é bastante menos difícil de prever do que se possa imaginar: 

“Não, não me parece nada que possa dizer que continuo a ser católico. Não acredito na religião naquele sentido em que ela deva intrometer-se na relação entre nós e Deus. Não tem qualquer utilidade, pelo contrário, funciona como um obstáculo. É apenas uma criação humana que não conduz senão a terríveis becos sem saída onde temos de nos defrontar com outros homens e com as suas ideias. Poderemos, talvez, aprender algo com todas as religiões mas a palavra ‘religião’, em si mesma, é obscena”.

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