17 January 2013

OITO (+ QUATRO) ACHAS PARA A FOGUEIRA (VIII)



Glenn Branca - The Ascension

Num polo, estão os 4’33”, de John Cage. Em gesto de radical minimalismo zen, a acção era substituída pela imobilidade e a composição pela total disponibilidade para a escuta: o mundo é uma inesgotável fonte de acontecimentos sonoros e, se esvaziarmos o ouvido de tudo quanto esperamos que “a música” lhe ofereça, poderemos reconfigurar todo o nosso sistema de percepção, tornando-o capaz de apreender e organizar a esfera acústica em seu redor – as vozes, a cidade, a natureza, o “ruído”, a própria velha “música” – de acordo com os padrões que, em cada instante, cada aparelho auditivo decida instituir como critério de selecção para o seu reportório privado. O silêncio, claro, não existe, mas a ideia que dele fazemos é o atractor ideal de tudo o que, agora, aqui, ali, produz um som a que atribuiremos (ou não) sentido.

No polo oposto, 29 anos depois, Glenn Branca bloqueava toda e qualquer possibilidade de dirigirmos a atenção para outro lado que não a enxurrada eléctrica de quatro guitarras, baixo e bateria, numa violenta operação de extermínio da mais ínfima possibilidade de silêncio conduzida até ao último interstício da série harmónica, tão minimal quanto a de Cage (o massacre de cada acorde, triturado com o volume no vermelho, só é abandonado quando definitivamente esgotadas todas as hipóteses de o transportar de um paroxismo para o seguinte e mais além), mas opondo o excesso à ascese, o espasmo à contemplação, a grande muralha ao jardim de pedras. À época, Rhys Chatham navegava por idênticos oceanos e a posterior descendência – Sonic Youth, antes de todos, mas também Hüsker Dü, Godspeed You!Black Emperor, A Silver Mount Zion ou, em registo pop, Jesus & Mary Chain – aplicou-se na tradução, em diversas variantes, do texto do apocalipse original. Mas, tal como 5’44” de silêncio nunca seriam iguais ou melhores do que 4’33”, nada nem ninguém voltaria sequer a abeirar-se da intensidade do tremendo abalo que, em 1981, numa perfeita simetria com o Cage de 1952, The Ascension provocou.

2 comments:

césar said...

Um dos discos que eu levava para a famosa ilha deserta.

João Lisboa said...

E, no entanto, na ilha deserta, o que mais haveria era "Cage".