23 February 2013

ARQUEÓLOGOS, NÃO COSMONAUTAS


Quase dois anos após a publicação, Retromania, de Simon Reynolds, é o género de livro que ainda continua a provocar comentários e a funcionar como combustível para a actividade dos neurónios daquela crítica pop que não se satisfaz apenas com a missão de saltitar de "hype" em "next big thing". Um dos últimos foi o próprio Reynolds que, no seu Blissblog, num post de 9 deste mês, chamou a atenção para ele (“Raras vezes me senti tão bem compreendido. Na verdade, depois de o ler, fiquei com a sensação de ter entendido melhor o livro. O que, considerando que o autor sou eu, há-de querer dizer alguma coisa”) e é assinado por Ben Jeffery, no jornal de Chicago, “The Point”. Intitula-se “Out With the New/Simon Reynolds's Retromania” e, em mais 40 000 caracteres, não se limita a confirmar o ponto de vista de Reynolds mas desenvolve-o e enriquece-o, puxando à conversa gente como o cientista, compositor e "tech-philosopher", Jaron Lanier, que, por exemplo, chama a atenção para o facto de estarmos perante “a primeira vez desde o surgimento da música eléctrica, em que a cultura pop no mundo industrializado se envolveu primariamente em estilos nostálgicos” e, continua Jeffery, “os artistas jovens se vêem como arqueólogos em vez de cosmonautas, sendo os modos dominantes de reciclagem, remistura e recombinação, técnicas de grande criatividade mas, essencialmente, parasitárias”, geradoras de uma cultura de segunda ordem, na qual “a arte deixou de ser uma intervenção no teatro de guerra cultural mas somente um décor para a vida”.



Há duas semanas, em torno de um dos mitos pop recorrentes – o "great lost album" –, o universo "indie" encenou a mais perfeita demonstração recente de nostalgia em acção: vinte e dois anos depois da edição de Loveless, ocorreram, por todo o planeta, vigílias montadas frente aos monitores dos PC e jorros de comentários instantâneos perante a revelação do, enfim materializado, lendário terceiro álbum dos My Bloody Valentine (não sem acidentes, colocado à venda em site criado pela própria banda). E, naturalmente, houve quem se tranquilizasse porque mbv era exactamente a tão ansiada continuação da história original, “fiel ao espírito da obra anterior do grupo” e outros (muito poucos) emitindo discretos ruídos de reclamação face a um disco que, apenas no terço final ("In Another Way", "Nothing Is" e, especialmente, a cataclísmica "Wonder 2"), permite suspeitar que, durante mais de duas décadas, Kevin Shields & Cº, dedicaram alguns segundos à preocupação de que talvez fosse interessante o seu terceiro opus não voltar a pisar as pegadas dos anteriores. Nada de confusões: mbv – uma avassaladora experiência de sufocação por uma tempestade de areia vivida no interior de um salão de ópio –, à excepção do único instante ("A New You") em que é MBV macaqueando os seus copistas menores, poderia, facilmente, ter vindo ao mundo em 1993 ou 1994 e teria sido, então, justissimamente, glorificado como terceiro volume do Novo Testamento "shoegaze". O único problema é, precisamente, esse.

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