22 March 2013

ESPERANÇA DE VIDA


Na edição de 7 de Dezembro passado do “Financial Times”, Gillian Tett – segundo o “Daily Beast”, “a mulher mais poderosa do jornalismo actual” –, a propósito da digressão “50 & Counting” dos Rolling Stones (“já fui a muitos concertos fabulosos mas poucos tão emocionantes como este”), explicava que, independentemente das qualidades propriamente musicais da banda, o que mais a entusiasmara e a fizera “dançar (mal)”, fora o facto de ter à sua frente um grupo de homens nas sétima e oitava décadas de vida (“com uma média de idades aparentemente mais elevada do que a dos juízes do Supremo Tribunal dos EUA (...) e, tecnicamente, na idade da reforma, na América e na Europa” ), “wiggling their hips and rocking out”. Chegada, enfim, ao ponto que lhe interessava debater, interrogava-se: “se ‘pensionistas’ são capazes de dançar assim tão freneticamente em palco, não será altura para repensar todo o conceito de reforma?” 



O tema é explosivo (e – vocês sabem quem são – não comecem já com ideias!) mas, para o que aqui interessa, apesar da dilatação da esperança média de vida, nunca fiando: há, pelo menos, duas figuras fundamentais da cena musical que não estão a ir para novas – Tom Waits e Richard Thompson, ambos nascidos em 1949 – e que nunca actuaram em Portugal. Todos os pretextos serão, por isso, bons para que tal possa vir a acontecer e, no que respeita a Thompson, se mais não houvesse, a recentíssima publicação de Electric deveria servir como argumento definitivamente convincente. Em entrevista ao último número da “Uncut”, Richard Thompson explicava que “por vezes, sabemos como é o fim de uma canção e temos de trabalhar daí para trás. Outras começam pelo meio e temos de descobrir se existe uma prequela ou uma sequência. Mas, muitas vezes, iniciamos uma canção e quase desejamos que ela nos surpreenda e nos conduza a lugares onde nunca estivemos”.



A verdade é que, desta vez, sem se afastar demasiado do seu posto de observação privado onde qualificar o homo como sapiens parece um evidente equívoco e "watching the dark" é a única actividade possível, Thompson terá escalado ainda outro cume do seu classicismo: aquele para onde convergem as trevas da tradição popular britânica e a guitarra eléctrica brandida como sabre de Hattori Hanzo, e o olhar sobre o mundo e as criaturas não capta senão microinfernos como Salford, que já dera origem à "Dirty Old Town", de Ewan MacColl (“Salford sunday and I'm dreaming, and it's all in black and white”), sufocações proletárias (“The money goes out, the bills come in, round and round we go again, I come close but I never win, stuck on the treadmill (...) me and the robot working away, he looks at me, as if to say ‘I'll be doing your job some day’"), ou – no 2º CD da edição "deluxe" com mais sete temas –, personagens como o arrepiante "Auldie Riggs", extripador de "whores and bitches", que, escorregando pelos cromatismos da melodia descendente de uma quase "sea shanty" orquestral, nos gela o sangue ao enunciar “I did her and the others too, I dare to do what some men only dream, how I love to hear that piercing scream”. Richard Thompson poderá viver até aos 100 mas já esperámos tempo de mais para o ver.

3 comments:

RMG said...

Ainda que mal pergunte, o João deixou de escrever crítica musical tout court no “Actual”, passando a assinar apenas (e digo apenas porque, como leitor, acho pouco) uma coluna de opinião? E, se sim, podemos confiar nos seus, digamos, epígonos? É que isto dos críticos musicais é como os médicos de família: habituamo-nos a confiar nuns e temos relutância em seguir as prescrições de outros, que desconhecemos.

João Lisboa said...

"o João deixou de escrever crítica musical tout court no “Actual”, passando a assinar apenas (e digo apenas porque, como leitor, acho pouco) uma coluna de opinião?"

Sim, mas a coluna também pode incluir crítica.

"podemos confiar nos seus, digamos, epígonos?"

Não estava à espera de resposta, pois não? Leia-os e forme a sua opinião.

RMG said...

Convenhamos que as quatro estrelas para os Deolinda e as míseras três estrelas para o sensacional regresso de Nick Cave não são, a meu ver, um bom augúrio. Mas, sim, a pergunta era meramente retórica. Não num sentido provocatório, mas mais como um lamento. Quedar-me-ei, então, pela leitura da sua coluna.
Obrigado pela resposta.