15 March 2013




O Museu Horniman, situado em Forest Hill, no Sul de Londres – não demasiado longe do Dulwich College onde Raymond Chandler e P.G. Wodehouse estudaram –, fundado, em 1901, por Frederick John Horniman que herdara do pai a fortuna do negócio do chá, especializou-se em colecções de objectos relacionados com a antropologia, história natural e instrumentos musicais, reunindo um total de cerca de 350 000 espécimes. Mas quem, pelos anos 80, percorresse as salas dedicadas aos instrumentos populares tradicionais da Europa, com origem em Portugal, descobriria apenas... um par de pinhas. Nas 526 páginas do ainda essencial Instrumentos Musicais Populares Portugueses (ed. Fundação Calouste Gulbenkian), Ernesto Veiga de Oliveira, no capítulo “Instrumentos avulsos” e na subcategoria “Instrumentos para marcar o ritmo e acompanhar a dança”, atribuía-lhes a justa dignidade de linha e meia – “Na Nazaré (...) encontramos as pinhas, que se raspam uma contra a outra, em posições desencontradas” – e de uma fotografia do tamanho de um selo.


Inevitavelmente, os tempos mudam e as pinhas apodrecem pelo que, se, hoje, visitarmos o site do Horniman Museum, no sector dos instrumentos musicais populares europeus, procurando por Portugal, depararemos com esse autêntico Fernando Pessoa da organologia lusa: o machete, aliás, cavaquinho, braguinha, braga, machetinho, machinho, manchete, marchete, machim e machete-de-braga ou, em havaiano (desde que, a 23 de Agosto de 1879, o madeirense João Fernandes o transportou até Honolulu), "ukulele". A cotação sobe em flecha para o valor de 10 páginas-Veiga de Oliveira mas, nas vitrinas do Horniman, continua a ser representante único do rectângulo ibérico.


Razão mais do que suficiente para que, quem possa supor que a riqueza nacional em matéria de instrumentos musicais populares se encontra proporcionalmente representada no nº 100 da London Road, visite a exposição permanente recentemente inaugurada, “O Museu, Muitas Coisas”, do Museu Nacional de Etnologia, no Restelo (de que Veiga de Oliveira foi um dos fundadores), onde, pelo meio dos diversos núcleos referentes ao teatro de sombras de Bali, às bonecas do sudoeste angolano, ou às máscaras e marionetas do Mali, é possível apreciar uma amostra do seu importante acervo de instrumentos populares portugueses. Não por qualquer motivo oriundo do “último refúgio dos canalhas” (como Samuel Johnson definia “patriotismo” – Oscar Wilde preferia chamar-lhe “a virtude dos viciosos”) mas, tão só, porque tudo o que é rico e vário, venha de onde vier, merece ser conhecido e partilhado. Se, no entanto, for “patriotismo” aquilo que se busca, é só descer até Belém, à “Exposição do Mundo Português vista através dos seus fotógrafos”, em exibição no Padrão dos Descobrimentos: nas fotografias de Horácio e Mário Novais, Eduardo Portugal, Paulo Guedes ou Casimiro Vinagre, está toda a imaginária glória sob a forma de imperial delírio "kitsch" – das submissas colónias exóticas às mimosas e bucólicas aldeias – de um país provinciano e miserável, em 1940.

4 comments:

alexandra g. said...

Em 1940? Um número redondo vai aliviar as pinhas crentes no progresso, confortá-las na certeza de um Modernismo que não sofreu estrangulamentos de maior.

João Lisboa said...

"Não existem mensagens"?

alexandra g. said...

Ai - o Pessoa - ai :)
Calma, que estou tão espatifadinha & assim.


alexandra g. said...

Ai que tonta, esqueci-me da beijoca!

Logo, beijoca. A dobrar o cabo :)