27 April 2013

O NORTE POLAR 


Podem ser invocados muitos e bons motivos para recusar um Nobel ou uma condecoração no 10 de Junho. Mas já não será tão fácil imaginar um suficientemente forte que leve a rejeitar a atribuição do literalmente galáctico grau de Comandante da Real Ordem da Estrela Polar. Manfred Eicher recebeu-o, em 1999, das mãos do rei da Suécia, pelos bons serviços prestados à cultura local através do labor da sua editora ECM (Editions of Contemporary Music), fundada 30 anos atrás. Não será apenas por esse motivo (mas também) que, muito antes da desvairada cogumelização de telúricas metáforas sobre fiordes, vulcões e glaciares a propósito dos Sigur Rós e de praticamente toda e qualquer criatura oriunda dos gelos escandinavos, já prosa idêntica fora derramada sobre a música publicada por Eicher: tanto depreciativamente (o editor/produtor bávaro teria esterilizado o jazz – que, inicialmente, dominava o catálogo – impondo-lhe uma ditadura do “bom gosto” que o contaminara com uma frieza e um intelectualismo muito norte-europeus) como elogiosamente (a “melancolia bergmaniana”, o "artwork" sóbrio mas requintado, o convite à atitude contemplativa, a sofisticação "state of the art" dos estúdios).  



A verdade é que, como, por exemplo, acontecera com a Blue Note e produtores como Teo Macero, Berry Gordy ou Martin Hannett, os discos da ECM lograram atingir o invejável estatuto de ser adquiridos “por serem da ECM” independentemente do conteúdo (“Os cinco segundos de silêncio que, em qualquer álbum da ECM antecedem a música são, provavelmente, a mais importante declaração que uma editora de discos poderia fazer” – Richard Williams, em The Blue Moment) que, recorde-se, foi incluindo Keith Jarrett, Chick Corea, Gary Burton, Bill Frisell, Art Ensemble Of Chicago, Jan Garbarek, Terje Rypdal, Pat Metheny, Dave Holland, mas, igualmente, Gesualdo, Arvo Pärt, Thomas Tallis, Jon Hassell, Pérotin, Steve Reich, Egberto Gismonti ou Anouar Brahem. 



E, agora, também June Tabor, integrada no trio Quercus, com Huw Warren (piano) e Iain Ballamy (sax soprano e tenor). Gravado ao vivo – mas, pela “sonoridade ECM”, nunca de tal se suspeitaria – durante uma série de concertos em 2006, triunfa gloriosamente em terreno afim daquele (Some Other Time, 1989) onde, abordando os standards do cancioneiro americano, pela única vez, Tabor havia falhado: os quatro tradicionais são exercícios de pura levitação – e "As I Roved Out" e "Brigg Fair" (esta a capella) elevam-se ainda mais alto do que isso –, os textos de Robert Burns, Shakespeare, A. E. Housman, com música de Warren/Ballamy, bem como todos os restantes, descobrem o norte polar do equilíbrio perfeito entre o impressionismo jazz “modernista” e a imponderável gravitas do canto de June Tabor (o uníssono de voz e saxofone, em "Come Away Death", rampa de lançamento para um lírico sobrevoo de Ballamy e Warren, impossibilita qualquer hipótese de desconcentração), algo como um milagre que permite que a liberdade de improvisação e o rigor quase solene da abordagem de palavras e melodias não apenas coexistam como pareçam ter-se, desde sempre, desejado.

7 comments:

Rui Gonçalves said...

Ficamos a aguardar... :-)

João Lisboa said...

A aguardar o quê?

Rui Gonçalves said...

O disco...

João Lisboa said...

Acho que já anda por aí.

Rui Gonçalves said...

Quase. Já está encomendado. :-))

RL said...

Um pouco deslocado, mas acabadinho de encontrar:

http://www.redbullmusicacademy.com/magazine/brian-eno-in-nyc-feature

(Ainda não ouvi este disco - "Quercus" -, mas lá irei. Thanks.)

João Lisboa said...

Thanx.