16 June 2013

 A GREVE

"O que está em causa para o Governo na greve dos professores é mostrar ao conjunto dos funcionários públicos, e por extensão a todos os portugueses que ainda têm trabalho, que não vale a pena resistir às medidas de corte de salários, aumentos de horários e despedimentos colectivos, sem direitos nem justificações, a aplicar a esses trabalhadores. É um conflito de poder, que nada tem a ver com a preocupação pelos alunos ou as suas famílias. Há mesmo em curso uma tentação de cópia do thatcherismo, à portuguesa, numa altura em que uma parte do Governo pende para uma espécie de gotterdammerung revanchista e vingativo, de que as medidas ilegais como a recusa do pagamento do subsídio de férias pela lei em vigor são um exemplo. Não é porque não tenha dinheiro, é porque quer mostrar que é o Governo que decide as regras do jogo e não os tribunais e as leis. Qualquer consideração pelas pessoas envolvidas, não conta. (...)

O medo dos despedimentos é muito perturbador no actual contexto de crise social, em que quem perde o trabalho nunca mais o vai recuperar. Por isso, a greve dos professores, como a greve dos funcionários públicos, é pelo emprego, em primeiro lugar, em segundo lugar e em último lugar. É também contra a imposição unilateral de condições de trabalho e horários no limite do aceitável. Mas o emprego é hoje o bem mais precioso e mais ameaçado. Aliás, o aumento do horário de trabalho é também uma medida para facilitar o desemprego. (...) 

Não adianta virem usar slogans, como seja a 'defesa da escola pública', apresentando-os como a principal razão de luta dos professores. Em casa em que não há pão, ninguém se mobiliza por abstracções, mobiliza-se pelo pão. É verdade que o Governo é contra a 'escola pública', mas o seu objectivo fundamental nestes dias é despedir funcionários públicos, incluindo os professores, para garantir os cortes permanentes da despesa pública a que se comprometeu, em grande parte porque, ao ter deprimido a economia no limite do aceitável, não tem outro modo de controlar o défice. Se o escolhe fazer nos mais fracos e dependentes da sua vontade, como sejam os funcionários públicos, é relevante, mas até por isso é a balança de poder que está em causa nas próximas greves. (...) 

Não é pela “defesa da escola pública”, nem por qualquer objectivo assim definido programaticamente, que a greve pode ter sucesso, em particular face à ofensiva governamental que conta com muito mais apoio na comunicação social do que se pensa. É pela condição do trabalho, pelo emprego, que, no actual contexto, são muito menos egoístas do que podem parecer. É, aliás, também nesse terreno que os funcionários públicos e os professores podem e devem “falar” com todos os outros trabalhadores do sector privado, porque aí os seus objectivos são comuns.

O que parece que os sindicatos têm vergonha de enunciar é o seu papel de defesa de um grupo profissional, como se os objectivos laborais não fossem objectivos nobres de per si, ainda mais na actual tentativa de criar uma sociedade 'empreendedora', assente na força de poucos contra o valor e a dignidade do trabalho de muitos. A incapacidade que tem a esquerda de enunciar objectivos firmes no âmbito destes valores, substituindo-os por uma retórica abstracta, acaba por resultar numa falsa politização que se torna num instrumento espelhar do mesmo discurso de divisão que o Governo faz. Ainda estou à espera que alguém me explique por que razão não se diz preto no branco, sem bullshit, que a greve é justificada pela simples motivo que nenhum grupo profissional numa sociedade democrática, seja empregado de uma empresa, ou do Estado, pode aceitar que se lhe torne o despedimento trivial, por decisões que são de proximidade (os chefes imediatos), e que não têm que ser justificadas a não ser por uma retórica vaga de 'reestruturação', um outro nome para cortes cegos e pela linha da fraqueza dos 'cortados'.

E também não se diz, sem bullshit, que não é fácil manter a calma e a civilidade quando se tem que defrontar do lado das negociações pessoas que mentem quanto for preciso, e que estão apenas a ver se meia dúzia de mentiras ou ambiguidades servem para passar a tempestade e voltar à acalmia que precisam para fazerem tudo aquilo que hoje dizem que não vão fazer. Os mesmos que, nos últimos dois anos, tudo prometeram e nada cumpriram e que ainda há poucos meses juravam em público que nada disto iria acontecer. Ou seja, gente não fiável, de quem se pode esperar tudo e cujo discurso nas suas ambiguidades deliberadas está a ser feito para que tudo seja possível. Em Agosto ou em Setembro, passada a vaga de conflitualidade social, vão ver como milhares de pessoas vão para a 'requalificação', como o aumento dos horários de trabalho vai servir para tornar excedentária muita gente e como, sejam professores ou contínuos, todos vão estar no mesmo barco do olho da rua.

Eu continuo a achar que a decência mobiliza muito mais do que a 'escola pública' e que tem a enorme vantagem de toda a gente perceber quase de imediato o que é. E tem ainda a vantagem de ser fácil explicar, e de ser fácil de compreender por toda a gente, que é indecente o que se está a fazer aos funcionários públicos e aos professores. E assim socializar o mesmo tipo de revolta que muitos dos actuais alvos do Governo sentem, porque ela não é diferente da que tem muitos milhões de portugueses. Digo bem, milhões. Não é coisa de somenos". (José Pacheco Pereira, "Público" de 15.06.13 - texto integral aqui)

7 comments:

alexandra g. said...

"A incapacidade que tem a esquerda de enunciar objectivos firmes no âmbito destes valores, substituindo-os por uma retórica abstracta, acaba por resultar numa falsa politização que se torna num instrumento espelhar do mesmo discurso de divisão que o Governo faz."


É aqui neste trecho que a minha raiva se põe a crescer até me doer tudo por dentro. O resto tornou-se previsível muito antes, os sinais estiveram sempre aí.

alexandra g. said...

Arrisco mesmo dizer que a generalidade das pessoas que se dizem de esquerda, nos meus 'conhecimentos', são da pior merda que a direita já produziu, pelo que considero que se confunde o social com o individual (é meter nisto todos os vice-versas considerados oportunos) e que, assim que muita gente dita de esquerda atingiu um patamar próximo da direita, passou a falar "à esquerda", como quem defende os pobrezinhos. Jonets, Jonettes, vamos lá achar-lhes os nomes (em inglês, you name them).

zeromilhoes said...

Santana Castilho tvi24:
http://www.youtube.com/watch?v=7TxnzRoCMbM

João Lisboa said...

"Santana Castilho"

Certo. Mas não chega atirar para a mesa com os milhões que o Estado desperdiçou na formação de professores que, agora, lança para o desemprego. É preciso dizer:

1) que continua a desperdiçar: as we speak, já devem estar abertas as matrículas pas "n" escolas superiores de educação e afins;

2) a formação que foi dada nessas eses's é miserável: cientificamente aterradora, pedagogicamente "eduquesa" até à medula.

Anonymous said...

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Anonymous said...

Era capaz de jurar que a única coisa que o Crato quer é fazer exames às PDC's...

Sobre quem é a favor ou contra "o emprego" faz lembrar o paradigma do "crescimento" por decreto.
Ou há trabalho ou não há e quando não há trabalho não há ali "emprego" algum, apenas impostos cobrados para deitar à rua.
Podíamos todos fabricar criancinhas e deixá-las crescer para acudirem a tanto professor sem trabalho (mais os 10 mil que se formam todos os anos)? Podíamos, mas seria preciso alimentá-las até chegarem à idade escolar e ou há para as criancinhas ou há para os impostos que sustentam professores sem trabalho...

Cumps,
Buiça

zeromilhoes said...

De acordo. "Desperdiçar" é um dos verbos dos últimos 25 anos. E não só na área educativa.
Do que gostei do vídeo foi o Santana dizer que o Crato está a fazer pior do que a Maria do governo Sócrates. Foi só por isso.