26 June 2013

AS MÁQUINAS DA ALEGRIA


Em Agosto de 2010, Ray Bradbury tinha 90 anos e Rachel Bloom 23. Mas, fiel aos seus princípios (“A primeira coisa que, verdadeiramente, me atrai é a inteligência. E os escritores são o pináculo da inteligência. Os actores podem ser óptimos e bonitos mas os escritores criam mundos novos a partir de nada. O que há de mais sexy que isso? Francamente, não entendo como é que toda a gente não namora com escritores”), Rachel – "stand-up comedian" e ex-estudante de teatro da Tisch School of the Arts, na New York University – não hesitou em escrever uma canção e gravar um videoclip em que, parodiando o conceito e a coreografia de "Hit Me Baby, One More Time", de Britney Spears, dançando e cantando nos corredores e salas de aula do colégio católico de St. Cecilia, em Brooklyn, declarava muito graficamente a sua desmedida paixão pelo enorme autor de literatura fantástica, suplicando-lhe "Fuck Me, Ray Bradbury". Era uma (im)puríssima canção pop, um video impagável – Bradbury, que morreria em 2012, ainda o viu e... aprovou – e, muito justamente, foi nomeada para os prestigiadíssimos Hugo Awards (prémios para obras de ficção científica e fantasia) na categoria de Best Dramatic Presentation/Short Form.



Da BD ao teatro, televisão, rádio e cinema (Truffaut pegaria em Fahrenheit 451, a que Rachel Bloom certamente um lapsus linguae chamou Fahrenheit 69”), foram inúmeros os encontros imediatos da obra de Ray Bradbury com a cultura popular. Que, em matéria de música, tanto passariam pelo autoexplicativo The Cult Of Ray, de Frank Black, como por "Rocket Man", de Elton John e Bernie Taupin, e, agora, The Machineries Of Joy, dos British Sea Power, inspirado pela colecção de contos homónima de 1964. Yan Scott Wilkinson, compositor e guitarrista do grupo, não espera que lhe perguntem para, espontaneamente, confessar que “por muito que tente fugir-lhe, estou sempre a regressar a Ray Bradbury”. No anterior Valhalla Dancehall (2011), em "Georgie Ray", juntara-o com o paladino da “common decency”, George Orwell, (“Before this day is cemented, in memory of Ray, can we all do something, instead of pray, and it was good how Georgie warned us, it was good what Georgie said, ‘It's kind of unbelievable how we're not all dead’") e se, neste último álbum, a referência ao escritor é apenas obliqua, há que saber identificá-la nos detalhes. 



Por exemplo, no video da canção título, que, instantaneamente, se deixa associar à sequência de abertura de Donnie Darko – cujo argumento Bradbury não assinou mas poderia muito bem tê-lo feito – e, por aí mesmo também, via-"The Killing Moon", aos Echo & The Bunnymen, distantes antepassados desta colectividade de Rough Traders de longo curso (dez anos de discografia), nada avessa a corais búlgaros, dívidas estéticas aos Velvet Underground, mini-sinfonismos à la Vaughan Williams, e, em palco, "cumbrian wrestlers", cenografias silvestres e ursos (pardos ou polares, na modalidade Ursine Ultra-máscara-com-humano-dentro). Tudo coisas que nunca farão deles os próximos U2 mas que, devidamente lidas – “We are magnificent machineries of joy, and then some, you are a vision of extraordinary contortion, an athletic form of warm distortion” – nos deveriam fazer levantar do sofá.

5 comments:

Táxi Pluvioso said...

Deus está com os seus:

http://www.youtube.com/watch?v=j8ZF_R_j0OY

João Lisboa said...

:-)))))))))))))))))))))

Anonymous said...

Este "Machineries" fez-me logo lembrar o "Blue Skies" dos Noah and the Whales
Nuno Gonçalves

João Lisboa said...

É só uma baleia.

:-)

Anonymous said...

"É só uma baleia."

Pois é! Demorei tempo a perceber e não vi o filme :-)
Nuno Gonçalves