13 June 2013

FELTRINELLI POP


O cérebro humano é um órgão maravilhosamente absurdo. Se, em 1830, Joseph Smith, no Livro de Mórmon, procurou persuadir os seus seguidores que, no século VI a.C., três tribos judaicas emigraram por mar para a América do Norte, sendo elas, na realidade, os verdadeiros antepassados dos índios americanos aos quais, naturalmente, depois do episódio montypythoniano "Look on the bright side of life", Jesus foi pregar um novo Evangelho, cerca de 40 anos antes, já o galês John Evans havia partido em expedição para o Novo Mundo em busca das míticas tribos que, segundo a lenda do príncipe Madog – suposto descobridor da América com 3 séculos de avanço sobre Colombo –, falariam o dialecto galês. Porque, aparentemente, Evans seria distante antepassado de Gruff Rhys (figura singular originária dos peculiaríssimos Super Furry Animals), no Verão passado, este decidiu organizar a sua digressão pelos EUA, orientando-se por um dos mapas que Evans deixou. Mas, entretanto, tinha já entre mãos outro empreendimento também não exactamente vulgar: a reactivação do duo Neon Neon (com o produtor Bryan Hollon aka Boom Bip), criado para a gravação, em 2008, de Stainless Style, um biopic sonoro sobre John DeLorean – “inventor” do DeLorean DMC-12, o automóvel convertido em "time machine" no filme Back To The Future –, agora dedicado à história de outra personagem fascinante, Giangiacomo Feltrinelli.

     
Marquês de Gargnano, nascido numa das mais ricas famílias de Itália, durante a 2ª Guerra integrou a luta armada contra Mussolini e aderiu ao PCI, fundou a Feltrinelli Editore (que publicou, entre muitos outros, O Leopardo, de Lampedusa, Trópico de Câncer, de Henry Miller, e Doutor Jivago, início do azedar da relação com os seus camaradas comunistas), jogou basquete com Fidel Castro, popularizou a famosíssima foto de Che Guevara (por Alberto Korda) na capa dos Diários de Bolívia e, em 1969, fundou os GAP (Gruppi d'Azione Partigiana), contemporâneos das Brigadas Vermelhas nos Anos de Chumbo da guerrilha urbana em Itália. Morreria em 1972, por acidente com explosivos junto a um poste de alta tensão ou (as versões divergem) assassinado pela polícia e, embora com contornos assaz diferentes, de modo equiparável ao que se passou com o francês Jacques Mesrine (a autobiografia Instinto de Morte acaba de ser traduzida em português), entrou para o panteão dos fora-da-lei glorificados. A estratégia estética Neon Neon para Praxis Makes Perfect consistiu, então, em, sobre uma matriz de "synthpop" abstractamente "eighties" que funciona como tela de projecção neutra, cunhar vinhetas informativas em registo "fake-radio" entregues à voz de Asia Argento, ironizar pela citação e alusão subtis – “I've got the brains, you've got the looks”, de "Opportunities (Let's Make Lots Of Money)", dos Pet Shop Boys, vira “I’ve got the books, you’ve got the looks” cantado pela heroína "kitsch" italiana Sabrina Salerno, a do biquini indiscreto no videoclip de "Boys" – ou, em "Mid Century Modern Nightmare", inventar uma bissectriz entre os Magnetic Fields e Human League francamente viável. Tivesse sido Momus a pegar na ideia, e Praxis Makes Perfect seria, possivelmente, uma preciosidade. Com assinatura Neon Neon não deixa, ainda assim, de ser recomendável.

3 comments:

fallorca said...

:)

Anonymous said...

Registo que a Senhora Salerno não tem direito a etiqueta ;-)
Nuno Gonçalves

João Lisboa said...

Limite de 200 caracteres nos labels.