07 May 2014

A SOBREMESA 


Numa das inúmeras efabulações que Tom Waits dispara mal lhe colocam um interlocutor à frente, contava ele que, uma noite, numa loja de donuts, na esquina de Ninth e Hennepin, em Minneapolis, “o Chuck E. Weiss e eu estamos a beber café ao balcão quando somos apanhados no meio de uma guerra entre dois chulos de treze anos. (...) As balas acertam no fogão, numa nota de dólar emoldurada e num cão de porcelana. O Chuck e eu atiramo-nos ao chão no momento em que a 'jukebox' começa a tocar 'Our Day Will Come' da Dinah Washington. Todas as balas que lhe acertam mudam a selecção da 'jukebox' e cada canção é mais comovente que a anterior”. Conhecemos Chuck E. Weiss através de pouco mais do que episódios destes, por Waits o referir em "I Wish I Was In New Orleans" (e haver co-assinado com ele "Spare Parts", em Nighthawks At The Diner) e Rickie Lee Jones ter escrito "Chuck E’s In Love". Fora disso, para o mundo, Weiss é virtualmente inexistente, apenas uma personagem secundária nas biografias de outros.



E, aparentemente, dá-se bem com isso: se, pelo fim da década de 60, já tinha acompanhado lendas como Lightnin’ Hopkins, Muddy Waters ou Willie Dixon, durante os anos 70, deambulou pela cena do Tropicana Motel, de Los Angeles, em 1981, apercebeu-se que, lhe tinham publicado um álbum de demos que, imediatamente, excomungou e, durante os 18 anos seguintes, confessa candidamente, “andou distraído”. Talvez alarmado pela proximidade do fim do milénio, em 1999, gravou a estreia oficial, Extremely Cool (era mesmo) e, vertiginosamente, 2 anos depois, Old Souls & Wolf Tickets. Descansou 6 anos antes de 23rd & Stout e precisou de 7 para o actual Red Beans And Weiss. Não é, definitivamente, desta massa que se constroem os grandes impérios mas Weiss nunca jurou fidelidade a Max Weber. Basta-lhe – e ninguém reclama – ir apurando infinitamente o tempero da grande caçarola de blues, cajun, rockabilly, boogie, jazz e mariachi, cuidar dos três gatos domésticos e de mais meia dúzia de vadios, exibir as afinidades, à moda de Sgt.Pepper, na capa do álbum (de Rimsky-Korsakov a Lester Young, Hank Williams, Bessie Smith ou... os gatos) e, como respondeu a Waits quando este lhe perguntou que parte de uma refeição era ele, imaginar-se como “uma sobremesa: depois, a seguir, ainda há o café e, se calhar, a repetição”

3 comments:

alexandra g. said...

Não conheço 90% das tuas referências enquanto crítico musical, mas isso perde toda a importância quando leio textos destes (e este até consegui lê-lo em jornal, no sábado 'devido').

Principesco, mas já tinha dito :)

João Lisboa said...

90% também há-de ser exagero...

:-)

Anonymous said...

Curioso, nas minhas primeiras audições de albuns do Sr. Waits (ainda em vinil -e ainda estão no sótão...- --sou muita culto-- ---acho eu--- ) pensava que o Chuck E. Weiss era uma figura irreal, inventada pelo sr. Waits. Verifiquei à uns anos que era apenas uma figura irreal...
Marco
PS: presumo que já conhece o melhor video de sempre. Mesmo assim para o caso de lhe ter escapado:
http://www.youtube.com/watch?v=HELYN0hM9Ws