02 July 2014

NO PARAÍSO DIGITAL 



Publicado em 1997, Industry, de Richard Thompson e Danny Thompson, não era, de certeza, apenas uma mera evocação histórica da indústria britânica, do século XVIII à era pós-industrial, com todas as suas glórias, misérias e multidão de vítimas que o desenvolvimento tecnológico condenaria a pouco mais do que deixar-se ficar “sitting in the evening, dreaming of the old times when a job was there for the steady and strong”. Mas, embora no final dos anos 90 os sinais fossem já visíveis, provavelmente, nem um nem outro imaginariam que, quase vinte anos depois, o formidável universo virtual inventado pelas novíssimas tecnologias se preparasse para transformar os infernos de Dickens (povoados por “faces of condemned men who did no wrong”) num quase Eldorado perdido. Anselm Jappe (“O principal problema actual não é apenas a exploração do trabalho mas o facto de cada vez maiores grupos da população se terem tornado ‘supérfluos’ por uma produção que dispensa o trabalho humano”) ou o Manifesto Contra o Trabalho, do Krisis Group (“Um cadáver domina a sociedade – o cadáver do trabalho”), poderiam ser chamados à conversa, mas quem encararia isso senão como uma intolerável recusa do pensamento positivo?



Então, no maravilhoso paraíso digital do Facebook, do YouTube, dos blogs, do Spotify, das "start-ups", onde a macumba está à disposição de todos, o bispo de Roma perdoa os pecados através do Twitter, e até podemos apaixonar-nos perdidamente por um sistema operativo (ver Her, de Spike Jonze), vamos armar-nos em queixinhas? Vejamos, pois, a questão sob outro ângulo. Que, para o que, agora, interessa, é exactamente aquele que acaba de fornecer à crítica musical uma poderosa ferramenta capaz de demonstrar, instantaneamente, por a + b, que o problema de Lana Del Rey não é o da autenticidade vs artifício (viva o artifício!) mas o de não ser mais do que um gigantesco Lego de clichés: chama-se “Lana Del Rey Song Title Generator” e, de borla, oferece uma infinita lista de hipóteses maravilhosamente intermutáveis: “Warhol Rapture”, “Patty Hearst Shotgun”, “Ketamine Bitch”, “Bardot Pansexual”, “Wallstreet Dysmorphia”, “Kerouac Erotica”, “Instagram Murder”, “Sharon Tate Ladykiller”... Com saboroso bónus adicional: a probabilidade de algum deles vir a saltar para o mundo real não é, de todo, negligenciável.

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