09 October 2014

COM UM DEDO NO DIQUE


Os alertas vermelhos já tinham disparado há muito mas foi no MIDEM (Marché International du Disque et de l'Édition Musicale) de Janeiro de 2007 que algumas profecias apocalípticas acerca do fim da indústria musical começaram a desenhar-se com nitidez. Chris Anderson, editor da “Wired”, previa que “os direitos sobre a música estavam condenados a desaparecer, as editoras convencionais também e os músicos (sobre)viveriam, sobretudo, de concertos e encomendas”. Jacques Attali garantia que “no futuro, toda a música será gratuita e a indústria terá de inventar novas formas de ganhar dinheiro” e Stéphan Bourdoiseau, patrão da Wagram, proclamava: “O mundo antigo está em ruínas, mas será necessário esperar 15 anos para ver o mundo novo. Entretanto, teremos perecido”. Apenas nove meses depois, a 10 de Outubro, os Radiohead protagonizariam aquilo que o “Sunday Times”, três dias antes, qualificara como “The day the music industry died”: In Rainbows (ansiosamente aguardado pelos fãs durante quatro anos, após Hail To The Thief), ficava acessível para “download” na página da banda na Internet, “ao preço que cada um quiser pagar”



Estamos ainda a meio do prazo de 15 anos calculado por Bourdoiseau, continuamos todos por cá, mas sucedem-se as variações sobre o tema do menino holandês que evitou uma catástrofe, tapando com um dedo, durante uma noite, o buraco de um dique. Mal tínhamos digerido o matrimónio Apple-U2, e é, de novo, com origem nos Radiohead que outro safanão acontece: na sexta-feira 26 de Setembro, Thom Yorke, recorrendo a uma das mais temíveis escunas pirata em actividade, o BitTorrent, colocou à venda por 4.73€ o seu segundo álbum a solo, Tomorrow’s Modern Boxes. O grande plano é “dispensar os intermediários, devolvendo o controlo do comércio na Internet aos criadores”. Inevitavelmente, segundos depois, sem necessidade de pagar um único cêntimo, estava pronto para ser escutado no "bas-fond" digital. E, tal como aconteceu com In Rainbows e a última coisa dos U2, a verdade é que, se entrará, seguramente, nos manuais de História da Música do século XXI, será somente em consequência do método de distribuição escolhido: incursão autenticamente vertebrada no universo da electrónica crepuscular há a da última faixa (“Nose Grows Some”) e é tudo. Não é Scott Walker (ou FKA twigs) quem quer.

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