19 November 2014

OLHAR AS TREVAS 


Numa entrevista de há um ano ao blog Ace Hotel, Bonnie ‘Prince’ Billy (aliás, Will Oldham), debatendo-se com a eterna questão de saber se a obra é, inevitavelmente, um reflexo mais ou menos autobiográfico do criador, lateralizando a resposta, afirmava: “Ser alguém que apresenta aquilo que cria como uma completa extensão de si mesmo foi sempre o meu sonho. (...) Compreendemos isto muito bem se escutarmos um músico como Richard Thompson a fazer um solo. Está sentado em palco e a canção que ele interpreta ganha verdadeiramente vida no instante em que se atira a um solo. Durante esse momento de generosidade, nós somos Richard Thompson. É uma dádiva esse tipo de relação com o seu talento, como se ele se apossasse do nosso cérebro”. Já deveríamos ter-nos apercebido de que, entre Oldham e Thompson, há algo mais do que a mera admiração de um discípulo pelo mestre. A inclusão de “The Calvary Cross”, segunda faixa de I Want To See The Bright Lights Tonight (estreia de Richard & Linda Thompson, 1974) em The Brave And The Bold, o álbum de versões – de Milton Nascimento aos Devo e Springsteen – gravado com os Tortoise e publicado em 2006, poderia ter sido um alerta.



Mas, lá mais para trás, em 1999, estávamos, de certeza indesculpavelmente distraídos quando, em I See A Darkness, não identificámos os ecos de Watching The Dark, título da compilação de Thompson de 1993, retirado de "Shoot Out The Lights" (1982): “Keep the blind down on the window, keep the pain on the inside, just watching the dark”. E aquele instante com Dawn McCarthy, em "Breakdown", de What The Brothers Sang (2013)...  Singer’s Grave – A Sea Of Tongues varre, definitivamente, todas as dúvidas que pudessem ainda restar: incluindo onze canções de que a maioria são inesperadas revisitações do bem recente Wolfroy Goes To Town (2011), é impossível não detectar nas guitarras (acústicas e eléctricas), nas inflexões vocais, nos coros das McCrary Sisters, no assentamento dos acordes sobre a curva das melodias, claríssimamente audível, quase um roteiro da trajectória de Thompson, dos Fairport Convention até hoje. Que não se trata de rasteiro trabalho de copista garante-o o facto de ter sido necessário tanto tempo para decifrar o enigma. Mas respondam sem pensar: quem escreveu “Nothing is better, nothing is best, we are unhappy, we are unblessed”

3 comments:

Nuno Gonçalves said...

Só uma curiosidade: quando escreveu o artigo não sabia que no dia seguinte à publicação ele actuava em lx, pois não? :-)

João Lisboa said...

Sabia. Foi uma das razões para o escrever precisamente nesse dia.

Nuno Gonçalves said...

LOL .. como o artigo só fazia referência ao disco, pensei que era só uma grande coincidência