04 December 2014

TRANSHUMANOS



No extraordinário videoclip para "All Is Full Of Love" (1999), Chris Cunningham encenava um longo e apaixonado beijo entre uma Björk andróide e a réplica de si mesma que, em campo e contracampo, cantavam “You'll be given love, maybe not from the sources you have poured yours, maybe not from the directions you are staring at”. Quinze anos depois, sem perder uma particula do fascínio original, começa, porém, a assemelhar-se à ingenuidade das descrições de Jules Verne em Da Terra à Lua. Segundo o “El País” de 6 de Novembro, numa sondagem da Middlesex University, 46% das 2000 pessoas inquiridas declarava-se a favor de manter relações sexuais com um robot, Stowe Boyd, da Gigaom Research, garantia que “em 2025, os robots sexuais serão coisa comum”, e informavam-nos que David Levy e Adrian Cheok, na London City University, se aplicam no desenvolvimento do I-Friend, um software sofisticado “dotado de personalidade, capaz de sentir emoções e estados de alma, equipado com um corpo quente, lábios que se mexem e falam e órgãos sexuais”.



Abra-se, então, lugar nos dicionários para “prostibots”, “robostitutes” e “lovotics”, arrumem-se nos museus os bisavós Robby The Robot e C-3PO (e, porque não, o HAL 9000, de 2001?), encarem-se sob outros olhos a Rachael, de Blade Runner, a Cylon, Number Six, de Battlestar Galactica, ou a Samantha, de Her, mas, sobretudo, dedique-se a indispensável atenção ao conceito de transhumanismo e às interrogações que suscita: qual o ponto-limite a partir do qual o humano poderá confundir-se com o não humano “avançado”? Onde se traça a fronteira do humano quando um implante na cóclea nos pode proporcionar uma audição de cyborg e o "download" do conteúdo do cérebro para suporte digital já não é uma fantasia totalmente delirante? O que distingue o natural (e o que significa “natural”?) do não natural? No perímetro pop, não desprezemos o pioneiro “All Is Full Of Love” – nem sequer a bem menor contribuição de Gillian Anderson/HAL, "Extremis" – mas, agora, concentremo-nos nas configurações, transfigurações e desfigurações dessas perplexidades tal como os assombrosos vídeos de FKA twigs para "#throughglass", "How’s That", "Hide" e "Water Me" as representam, e, em "Papi Pacify", "Breathe" e "Video Girl", dilatam arrepiantemente o espectro de “normalidade” das emoções. 

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