07 April 2015

BALANÇO E CONTAS


Mui compreensivelmente, Allan Jones, na “Uncut”, pergunta a David Corley porque lhe foi necessário tanto tempo para gravar o álbum de estreia. E ele responde “É preciso viver uma vida para poder escrever sobre ela. Não é coisa que possa ser inventada”. E, ao "Hear! Hear!" Music, quase em modo Fight Club, explica: “Tenho duas regras acerca da escrita de canções. A primeira é: ‘é melhor ter algo para dizer’; e a segunda é: ‘é melhor ter algo para dizer’”. Não estaremos, pois, perante o caso inédito de um “difícil primeiro álbum”, uma vez que não se terá tratado de uma questão de dificuldade mas apenas de respeitar o imprescindível período de maturação. O que, contudo, não torna menos invulgar o facto de Corley, só agora, aos 53 anos, ter publicado o primeiro tomo da sua discografia, Available Light, e reclama algum conforto biográfico. Filho de Lafayette, Indiana, fugiu do "Twinkle, Twinkle Little Star" nas aulas de piano e atirou-se a um "songbook" dos Beatles, estudou informática na Universidade de Athens, Georgia (na mesma altura em que os R.E.M., moços da mesma criação, por lá iam começando a fazer história), e não hesitou em adquirir o estatuto de "dropout".



Nos trinta e picos anos seguintes, foi camionista, carpinteiro, empregado de mesa, operário, barman, agricultor. Mas aquele tipo menos comum de elemento das classes laboriosas que lia Joyce, Whitman, Blake e Rilke enquanto, na consagrada tradição americana, deambulava, de costa a costa. E ia vivendo imensamente mais do que o indispensável para ter algo que dizer. Da destilação de tudo isso, em registo de exemplar classicismo (imaginem o mais que perfeito lugar geométrico onde Springsteen, Willy Vlautin, Mark Eitzel, Dylan, Van Morrison, Randy Newman, Tom Waits, David Ackles e Lou Reed coabitam – sim, são esses os seus pares) e interpretadas com o género de voz de quem já consumiu a quantidade de cigarros e bourbon recomendada, as dez canções de Available Light, balanço e contas de perdas, desencontros e erros (“I hopped up into my truck but I headed to the wrong bar, got way too fucked-up, started wishin' on the wrong star, but the sky, man, it's so large, that's just an easy mistake”), constituem exactamente aquilo que se costuma designar como clássico instantâneo.

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