07 May 2015

MEMÓRIAS DE NOVA IORQUE

  
Mais ou menos a meio de Girl In A Band, na página 148, Kim Gordon, num aparte não demasiado significativo, conta que, em conversa para a “Interview” com o ilustrador Raymond Pettibon – autor da capa de Goo, dos Sonic Youth, bem como de várias outras de álbuns dos Black Flag e da editora SST –, ambos concordaram que, quando se trata de discutir algum assunto com um músico, é conveniente não elevar demasiado a complexidade do tema. “Não porque não sejam inteligentes, apenas não intelectualizam as coisas da mesma forma que os artistas”. E Kim reforça a ideia, confessando “Sinto que não há muita gente com quem possa falar sobre o que me vai na cabeça... isto não quer dizer que os menospreze”. Poderá, talvez, situar-se aí a razão porque a literatura – autobiográfica ou não – assinada por músicos é tão escassa e, na maioria dos casos, assaz desinteressante. A memoráveis excepções como Chronicles Vol. I, de Bob Dylan, Autobiography, de Morrissey, os quatro romances de Willy Vlautin (Richmond Fontaine/Delines), a recolha de poemas de David Berman (Silver Jews), Actual Air, ou a quase dezena de publicações de David Byrne (Leonard Cohen, exactamente o caso oposto – poeta e romancista tornado songwriter –, não conta) adicione-se, agora, Girl In A Band – A Memoir, de Kim Gordon.



Guitarrista, baixista, compositora e cantora dos Sonic Youth (e, igualmente, dos Free Kitten, Body/Head e participante em inúmeras colaborações) mas também artista plástica, "fashion designer", actriz, crítica e jornalista de arte, Gordon possui o perfil exactamente adequado para não ceder (demasiado) à "petite histoire" de circunstância e desenhar, com nervo e energia, a trajectória de uma "California girl" de classe média, nascida no início dos anos 50 e transplantada para a cena musical e artística da Nova Iorque, de fins de 70 até à actualidade. A visão panorâmica é povoada por um "who’s who" de todo o período abrangido (mas com figuras de carne e osso e não em mero exercício de "name dropping"), em permanente viagem entre auto-análise e observação/comentário de situações e personagens, painel estético/histórico e diário pessoal, o precioso bloco-notas de uma testemunha-participante activa das vibrantes ascensões e perturbantes quedas da capital do mundo.

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