22 June 2016

AFINAL, NÃO É ESTRANHO

  
Primeiro, escuta-se uma "bent note" tocada no "gopichand" – um instrumento asiático de uma só corda – que, sem que nos apercebamos, se transforma em uivo de lobo. Após dez segundos de uma intrincada teia de universos rítmicos sobrepostos (que persistirá e se adensará até ao final), a voz canta: “Milwaukee man led a fairly decent life, made a fairly decent living, had a fairly decent wife, she killed him… ahhh, sushi knife, now they’re shopping for a fairly decent afterlife... the werewolf is coming”. E, alçada nessa metáfora do lobisomem, enquanto sopros, percussões e electrónica se preparam para ceder o lugar aos acordes de um orgão de "horror movie", mostra-nos o fim do mundo: “Life is a lottery, a lot of people lose, and the winners, the grinners, with money-colored eyes, eat all the nuggets, then they order extra fries (...) You’d better stock up on water, canned-goods off the shelves, and loot some for the old folks, can’t loot for themselves”. Acabámos de escutar o tipo que, há quase meio século, escreveu “Can you imagine us, years from today, sharing a park bench quietly? How terribly strange to be seventy”


Afinal, não tem nada de estranho e, à beira dos 75 anos, Paul Simon (ele, perante quem Andrew Bird, Vampire Weekend, Dirty Projectors e Merrill Garbus/tUnE-yArDs ajoelham), muito longe de enganar as horas em bancos de jardim, ocupou-se a criar um dos mais ricos e audaciosos álbuns da sua discografia. A companhia (Nico Muhly, yMusic, Jack DeJohnette, Vincent Nguini, Cristiano Crisci/Clap! Clap!) foi inspiradora e as fontes de alimentação (Harry Partch, Laurie Anderson, a história e a política americanas) suficientemente estimulantes para que Stranger To Stranger se deixasse construir enquanto assombroso objecto multifacetado que tanto devora um "sample" do Golden Gate Quartet e compõe em torno dele como autoriza que uma balada sofisticadamente simoniana seja amavelmente trespassada pelos "cloud chamber bowls", "chromelodeons" e "zoomoozophones" de Partch. Apontado à terra (“The riots started slowly with the homeless and the lowly, then they spread into the heartland”) ou ao imaginário Além (“God goes fishing, and we are the fishes, he baits his lines with prayers and wishes”) mas com destinatários bem identificados: “I make my verse for the universe and my rhyme for the universities”.

3 comments:

alexandra g. said...

Tens que agendar sessões na Feira do Expresso | Liberdade para pensar para a malta ir lá encher-te de beijos :)

Táxi Pluvioso said...

Já é possível comemorar com o bichano a permanência da Inglaterra na UE, (por larga maioria, como revelará o "referendo"):

http://www.upi.com/Odd_News/2016/06/17/Colorado-company-releases-wine-for-cats/3681466183681/

João Lisboa said...

:-))))))))))))))

Viva!