03 November 2016

REGINA CŒLI

   
“O que uma obra de arte tem de maravilhoso é que existe por si mesma. Não precisamos de saber aquilo que se passou na vida de um escritor quando ele tinha cinco anos. Aquilo que é mais interessante num filme, numa peça de teatro ou num disco não são os detalhes do que aconteceu na vida dos autores. O que interessa é podermos ver-nos reflectidos nas obras e o que elas desencadeiam em nós”, dizia Regina Spektor à revista online “Consequence of Sound”, cujo nome, curiosamente, foi retirado do texto de um tema de Spektor, do álbum Songs, de 2002, na qual, muito à sua maneira, ela descrevia o processo de criação, praticamente fisiológico, de uma canção: “My rhyme ain't good just yet, my brain and tongue just met, and they ain't friends so far, my words don't travel far, they tangle in my hair and tend to go nowhere, they grow right back inside, right past my brain and eyes, into my stomach juice where they don't serve much use, no healthy calories, nutrition values, and I absorb back in the words, right through my skin, they sit there festering inside my bowels, the consonants and vowels, the consequence of sounds”



E, de modo não inteiramente inesperado, a conversa prosseguiu com considerável insistência no facto de Remember Us To Life – publicado quatro anos após What We Saw From The Cheap Seats – ter sido composto e gravado durante e após a gravidez de Regina, mãe de infante (cujo nome não revela), desde Março de 2014... É verdade que, como ela também acrescenta, “é sempre importante contextualizar e conhecer o significado de determinados símbolos”. Não necessitamos, porém, de todo, de associar a gestação de uma criatura humana à de um álbum para podermos apreciar, uma vez mais, a requintada pop de Spektor. A progesterona e a prolactina poderão ter desempenhado algum papel mas, por muito orgânico que o labirinto criativo seja, não será, de certeza, por aí que descobriremos a raiz de jóias de síntese narrativa como "Bleeding Hearts" (“And you serve your time drinking all night long, staring at the walls of your jail-like home, listening to that song ‘cause it hurts just right ‘til everything is gone tonight”), das convulsões sonoras de "Tornadoland", da perfeição-mais-que-beatleana de "Older And Taller" ou da sinfónica ascenção aos céus de "Obsolete" (“Useless part, this useless heart, useless art”).

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