21 March 2017

PA’LANTE!


Stephin Merritt não terá mais razões para se inquietar. Porque, como que em resposta ao que canta em "They’re Killing Children Over There" (de 50 Song Memoir) – “Now that everyone is fat and complacent, I haven't heard a protest in years” –, a música popular norte-americana acaba de gerar o primeiro grande álbum pós-Trump de canções explicitamente políticas. Dirijam-se, então, os aplausos para Alynda Segarra (ou, se preferirem o "nom de plume", Hurray For The Riff Raff), "singer-songwriter" do South Bronx novaiorquino, de ascendência portoriquenha, que, aos 17 anos, na ressaca de uma adolescência punk no Lower East Side, sonhou ser Woody Guthrie: em périplo pelo país (clandestina a bordo de comboios de mercadorias), estacionou em New Orleans onde se embriagou de folk e blues e alinhavou os primeiros registos de atmosfera genericamente “americana”. De regresso a Nova Iorque, mergulhou numa expedição de descoberta interior da identidade e das origens que, 13 anos após a fuga da Grande Maçã, a conduziu, agora, a gravar The Navigator.



O momento eureka, contudo, ocorreu ao aperceber-se que Ziggy Stardust And The Spiders From Mars, de Bowie, lhe oferecia de bandeja o esquema narrativo e conceptual de que andava à procura: o/a "alien" seria, desta vez, o seu alter-ego ficcional, Navita (“Uma versão BD de mim com 17 anos”), criatura entre-culturas e – sufocada pela distopia urbana – combatente contra a pobreza, a gentrificação dos "barrios" e a colonização cultural. Evocando (e invocando) tanto o “dirty realism” do Lou Reed de New York quanto Laura Nyro, a Patti Smith inicial, os ritmos da "bomba" e "plena" afro-caribenhas, e heróis da diáspora de Porto Rico como Julia de Burgos, Pedro Pietri e Sylvia Rivera, a imprecação é feroz (“First they stole our language, then they stole our names, then they stole the things that brought us fame, and they stole our neighbors, and they stole our streets”), os alvos são claros (“Now all the politicians they just squawk their mouths, they said, ‘We’ll build a wall to keep them out’, and all the poets were dying of a silence disease, so it happened quickly and with much ease”) e – em "Pa’lante" (“Em frente”), alusão ao jornal dos Young Lords, irmãos de armas hispânicos dos Black Panthers – o programa não poderia ser mais preciso: “Do your best, but fuck the rest, be something!”.

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