02 June 2007

O MISTÉRIO E A CIÊNCIA



Björk - Volta

Há que conhecer bem a personagem para devidamente a compreender. Em 1994, numa entrevista entre álbuns - após a revelação com Debut e, quando se entregava já à concepção de Post -, Björk disse-me: “Já nem sei quantas vezes fui salva por uma canção, alturas em que nada, nem os amigos, nem o sexo, nem a actividade política nos podem valer e só a empatia que uma canção proporciona tem algum significado. É uma sensação completamente abstracta em que a música não tem (nem deve ter) explicação, que interfere com a matemática das emoções e não pode ser decifrada pela linguagem”. Recentemente, já a propósito de Volta, afirmou: “A música, para mim, é totalmente factual, exactamente como se fosse álgebra”. Há-de ser, algures aí pelo meio, entre a forma de expressão que releva do insondável e o cálculo frio e racional, que, um dia, não se chegará a “explicar” a música de Björk mas se poderá ensaiar, sem errar demasiado, uma aproximação viável. Ela própria, a propósito deste álbum, refere repetidamente o seu interesse recente pelas neurociências e por tudo aquilo que o equilíbrio (e os desiquilíbrios) entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro determinam no que ao comportamento humano e à cultura dizem respeito.



O que, afinal, desde “Human Behaviour” (“if you ever get close to a human and human behaviour, be ready to get confused”), tem sido um dos seus centros de gravidade. E que, aqui – no que é, talvez, a mais conseguida síntese entre a Björk que, durante anos, numa das cinquenta escolas de música de Reikjavik, se envolveu com a música de Stockhausen, Messiaen e John Cage e a outra que, pós-Sugarcubes, mergulhou de cabeça na cultura pop e suas múltiplas refracções adjacentes -, adquire um carácter definitivamente neo-pagão e multi-tribal (“Here come the earth intruders, we are the paratroopers, the beat of sharpshooters, comes straight from voodoo”), convocando para o mesmo espaço os percussionistas Chris Corsano e Brian Chippendale (Lightning Bolt), o assombroso colectivo congolês Konono nº1, o mestre da kora maliana, Toumani Diabaté, Antony (de Antony and The Johnsons – o único elo fraco de um álbum excepcional), a executante de pipa chinesa, Min Xiao-Fen, uma secção de sopros feminina islandesa e, em três faixas (“Earth Intruders”, “Innocence” e “Hope”), enquanto co-produtor, intérprete e programador, o “producer to the stars”, Timbaland. Ao mesmo tempo quase histericamente visceral e cerebralmente montado, como um puzzle de inúmeras peças do qual, apenas no último instante, descobrimos a configuração final, é, muito provavelmente, a hipótese provisoriamente encontrada por Björk para a resolução na sua música daquela equação que, quando (para a “Dazed And Confused”) entrevistou Stockhausen, formulou como definição da música do mestre alemão: “um casamento entre o mistério e a ciência”. (2007)

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